11 de Setembro: A literatura chegou depois

Escritores como os norte-americanos Philip Roth, Don DeLillo e John Updike, o britânico Ian McEwan ou o paquistanês Mohsin Hamid foram apenas alguns dos que publicaram romances relacionados com a realidade excessiva desse dia, em que uma organização terrorista infligiu aos Estados Unidos o maior número de vítimas civis da sua história, ao fazer embater nas torres gémeas do World Trade Center, em Nova Iorque, e no Pentágono, nos arredores de Washington, aviões carregados de passageiros e combustível.

Philip Roth escreveu “Todo-o-Mundo” (Dom Quixote, 2007), uma história íntima, embora universal, de perda, arrependimento e estoicismo protagonizada por um homem cuja vida é um permanente combate contra a mortalidade e que se muda de Nova Iorque para a costa de Nova Jérsia devido ao medo que sente, na sequência do 11 de Setembro.

Já Don DeLillo, autor de “O Homem em Queda” (Sextante, 2007), centra a ação num sobrevivente aos atentados contra as Torres Gémeas, partindo do fumo e das cinzas dos edifícios em chamas para desenhar as consequências daquela catástrofe sem precedentes na história de tanta gente marcada pela perda e pela dor, numa reflexão sobre a reconfiguração da nossa paisagem emocional, memória e perceção do mundo.

O ângulo de John Updike é outro ainda: o seu romance intitula-se “O Terrorista” (Civilização, 2006) e propõe um retrato dos Estados Unidos pós-11 de Setembro a partir do olhar de um jovem muçulmano radical e do seu orientador vocacional judeu. Por um lado, o escritor expõe a lógica terrorista fundamentalista, tentando explicar o que leva alguém a tornar-se terrorista, mas, por outro, apresenta sugestões sobre como podemos enfrentar essa lógica, por palavras ou atos.

Outro romance que aborda o tema é “Sábado”, de Ian McEwan (Gradiva, 2005), cuja ação se desenrola em Londres após os atentados do 11 de Setembro — mas antes dos de 07 de Julho de 2005 no metro e em autocarros urbanos da capital britânica -, mostrando como a vida pode mudar num momento, para melhor ou pior.

Acompanhamos Henry Perowne, um neurocirurgião britânico de meia-idade, durante um dia da sua vida, mais precisamente um sábado, em que os seus afazeres normais são perturbados por reflexões sobre o estado do mundo — a iminência da guerra com o Iraque e um pessimismo crescente desde o 11 de Setembro – e por vários incidentes que o fazem temer que a sua vida familiar e a da sua cidade estejam ameaçadas.

O norte-americano Paul Auster escreveu “Homem na Escuridão” (Asa, 2008), propondo um mundo paralelo, em que os Estados Unidos da América não estão em guerra com o Iraque, mas consigo mesmos: um mundo em que as Torres Gémeas não ruíram e as eleições presidenciais de 2000, disputadas entre o republicano George W. Bush e o democrata Al Gore, levaram à secessão, com o abandono da federação por um Estado atrás de outro e a eclosão de uma sangrenta guerra civil.

É um universo imaginado por August Brill, um crítico literário de 72 anos que sofre de insónias, conta histórias a si próprio para afastar memórias que queria esquecer e consegue arranjar coragem para as revisitar, lidar com a perda e a sobrevivência à perda, acabando por celebrar as coisas boas do quotidiano num mundo capaz da mais obscena crueldade.

Também o escritor norte-americano Jonathan Safran Foer publicou, com apenas 28 anos, um romance relacionado com o tema. Chama-se “Extremamente Alto e Incrivelmente Perto” (Quetzal, 2007) e conta a história de Oskar Schell, um miúdo de nove anos que é inventor, francófilo, tocador de tamborim, ator shakespeariano, joalheiro e pacifista e anda pelas cinco zonas de Nova Iorque numa busca urgente e secreta da fechadura onde entre uma misteriosa chave que pertenceu ao pai, morto no atentado contra o World Trade Center.

O prestigiado escritor irlandês Joseph O’Neill, que vive com a mulher e os três filhos no célebre Hotel Chelsea, em Nova Iorque, é o autor do romance “Netherland — Terra de Sombras” (Bertrand, 2009), classificado como “um fenómeno literário”.

Nele, conta a história de Hans, um homem que se vê sozinho na fantasmagórica Nova Iorque pós-11 de Setembro, depois de a mulher e o filho terem partido para Londres, e desenvolve uma nova relação com os Estados Unidos ao travar amizade com Chuck Ramkissoon, um imigrante de Trinidad que lhe mostra outra Nova Iorque, habitada por gente de todas as raças e nacionalidades.

Aclamado pela crítica, “Liberdade” (Dom Quixote, 2011), do norte-americano Jonathan Franzen, é uma saga familiar que atravessa quatro gerações e em cujo centro se encontram as consequências a longo prazo do 11 de Setembro.

Articulando os dramas pessoais das suas psicologicamente densas personagens com o contexto político, o autor aborda temas como o conflito israelo-palestiniano, o aquecimento global, a guerra do Afeganistão e a intervenção no Iraque justificada pelo perigo que representavam as armas de destruição maciça de Saddam Hussein.

O romance de estreia da jornalista norte-americana Amy Waldman, “Submissão” (Teorema, 2012), que integrou a lista dos melhores livros do ano de quase toda a imprensa norte-americana, passa-se alguns anos depois dos atentados, quando o projeto vencedor de um memorial a ser erigido no ‘ground zero’, em Manhattan, escolhido de entre milhares de propostas anónimas por um júri composto por artistas, académicas e a viúva de uma das vítimas, é, para espanto de todos, o de um arquiteto muçulmano chamado Mohammad Khan.

Segue-se um debate que reaviva divergências latentes durante todo o processo de seleção, em que se questiona a legitimidade da dor, a ambiguidade da arte e o significado do Islão, desencadeando um conflito que alastra ao país e se torna uma luta entre fações, entre várias “Américas”, após fugas de informação para a imprensa que colocam sob os holofotes os membros do júri — sobretudo Claire Burwell, representante das famílias das vítimas e inesperada apoiante do vencedor — e o próprio Mohammad Khan, um cidadão norte-americano sofisticado que pela primeira vez se vê confrontado com a sua herança cultural.

“Livro da década”, para o jornal The Guardian, e finalista dos prémios Booker e Commonwealth Writers, “O Fundamentalista Relutante” (Civilização, 2013 e Saída de Emergência, 2019), do paquistanês Mohsin Hamid, é um monólogo dramático: a história de um homem, contada ao narrador pelo próprio numa noite, à mesa de um café de Lahore.

Changez imigrou jovem para os Estados Unidos e conseguiu viver o sonho americano, como o primeiro da sua turma na universidade de Princeton, contratado por uma empresa de topo em Nova Iorque, com uma namorada bonita e rica que lhe garante entrada na alta sociedade de Manhattan.

Mas, depois do 11 de Setembro, tudo muda, quando começa a ser discriminado por ser muçulmano, e descobre que alguma coisa se alterou na sua identidade, que revela lealdades mais fortes que dinheiro, poder e amor, a par de sentimentos de revolta, ira e traição que acabam por deixar claros para o narrador os motivos daquele convite para se sentar à sua mesa.

Talvez o ritmo de escrita e de publicação de obras literárias relacionadas com o 11 de Setembro tenha abrandado nos últimos anos, mas a data será para sempre um marco histórico do início do século XXI, daqueles que dividem o tempo em “antes de” e “depois de”, e a literatura deve ser vista como o corpo do tempo, como defendia o pensador português Eduardo Lourenço.

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