"Acho que nós, mulheres e mães, sentimos sempre que estamos em falta"

Luísa Sobral acaba de lançar o seu sexto álbum de originais. Desta vez, a artista decidiu seguir uma estética mais pop e mais “feliz”, como descreve em entrevista ao Notícias ao Minuto.

‘DanSando’ surge, assim, como uma celebração do amor em tempos de guerra e é para ser, tal como o próprio nome indica, dançado.

Aliás, essa foi uma das principais razões que levou Luísa Sobral a fazer este disco tal como ele é.

Em conversa com o Notícias ao Minuto, a letrista falou não só de ‘DanSando’, como da importância que o processo criativo tem para si, da guerra, do feminismo e da maternidade.

Os concertos de apresentação do novo disco estão marcados para 18 de fevereiro, na Casa da Música, no Porto, e 25 de fevereiro, no Teatro Tivoli BBVA, em Lisboa.

O meu último disco foi muito minimalista, era o que eu tinha vontade de fazer na altura. (…) Para este senti uma vontade quase oposta

Lançou recentemente o seu sexto álbum de originais, ‘DanSando’. Qual tem sido o feedback?

Está a correr bem. Agora estou muito curiosa é em saber a reação aos concertos. Já comecei a digressão, dei dois concertos lá fora, na Alemanha e no Luxemburgo, e em breve vou dar cá. Estou também a preparar um videoclipe de outra canção, que muita gente me envia a dizer que gosta mesmo sem ter saído em single, por isso, acho que está a correr bem.

Esta é uma pergunta que já lhe devem ter feito muitas vezes mas, porquê ‘DanSando’ com S?

‘DanSando’ com S porque vi num documentário sobre a Sophia de Mello Breyner onde ela dizia que, antigamente, dançar se escrevia com um ‘S’ e ela achava que não faz sentido ter mudado para ‘C’ porque o ‘S’ dança e o ‘C’ está sentado. A partir daí, fiquei sempre a ver as palavras e as letras quase como seres vivos e isso foi muito bonito então nunca poderia escrever dançando com ‘C’.

Este álbum apresenta uma estética mais pop do que os anteriores. Porque decidiu seguir este caminho?

O meu último disco foi muito minimalista, era o que eu tinha vontade de fazer na altura. Duas guitarras e sopro, os três sopros. Muitas canções também só guitarra e voz. Para este senti uma vontade quase oposta, na verdade. Sentia muita vontade de ter canções mais dançáveis, mais alegres. Isto devido, um bocado, à minha experiência enquanto mãe. De tocar música no carro, de dançarmos todos e começar a perceber que isso me dá imenso prazer. Música que me faz sentir feliz. Eu não fazia esse tipo de música. Fazia música mais introspetiva, mais melancólica e comecei a ter mais vontade de fazer esse tipo de música, música que faz só as pessoas sentirem-se bem e que eu posso cantar com os meus filhos.

E, entretanto, isso já aconteceu?

Sim, claro. Foi engraçado por causa das idades deles. Quando lancei o meu último disco, o meu filho mais velho tinha dois anos, não é uma idade em que pudesse participar na parte de fazer o disco, mas agora sim. A minha filha tem quatro e ele tem seis então ‘DanSando’ foi um disco em que eles participaram muito. Eu escrevia durante o dia, gravava e, quando nos juntávamos no carro, mostrava-lhes as canções e perguntava o que é que eles achavam. Então este acabou por ser um disco muito partilhado com eles e, depois de produzido, muito dançado com eles. Eles pediam para ouvir o disco várias vezes [risos] e dançávamos todos no carro. Nunca fui muito de tocar a minha música só que aqui como foi uma coisa feita quase em conjunto é uma coisa de todos.

E eles são muito críticos ou são mais de dar elogios?

Acho que as crianças desta idade nem percebem bem que estão a elogiar. Dizem gosto mais desta ou não gosto desta, às vezes também pode ser: ‘Não queremos ouvir a mãe’ [risos]. Mas ainda outro dia fiquei impressionada. Escrevi uma canção para outro projeto, estava em casa a escrever e o meu filho a ouvir-me. Dias depois enviaram-me o arranjo dessa canção, que não tinha a voz ainda, eu coloquei-a a tocar no carro e o meu filho disse logo: ‘Esta é aquela que é a tua música’. Como é que ele se lembra?! Eles estão super atentos. Ele lembrava-se da letra e da música. Da canção que eu escrevi e mostrei-lhe uma vez. Fiquei muito impressionada. Isto não é para dizer que o meu filho é alto músico, de todo, é para dizer que eles realmente estão muito atentos. É engraçado.

Por exemplo, tenho uma canção sobre a guerra. O que é que é esta guerra? É o excesso de amor próprio do senhor Putin

A palavra Amor está presente por todo o álbum. Este é o sentimento que mais a inspira quando está a compor? Ou acha que é algo que faz-nos tanta falta que o melhor é começar a cantá-lo por aí?

O que eu acredito é que tudo é amor ou falta dele. Todos os assuntos vão dar sempre a isso. Por exemplo, tenho uma canção sobre a guerra. O que é que é esta guerra? É o excesso de amor próprio do senhor Putin, por exemplo. Ou outra canção mais política que tenho que é ‘Serei Sempre Uma Mulher’. No fundo, esta é também uma canção de amor. Amor próprio, de orgulho em sermos mulheres. Escrevi essa canção inspirada num grupo que luta pelos direitos das mulheres no Afeganistão. Então, aí também está presente o amor. Essas mulheres também têm amor umas pelas outras e por aquelas que hão-de vir.

Por isso, se formos a ver, é tudo uma questão de amor ou falta dele. Tudo aquilo que acontece no mundo e na nossa vida vai sempre dar ao amor. Amor de mãe, amor de irmã, amor de filha, amor de amiga. No fundo, todos os assuntos vão sempre dar a isso. Tudo. Pensando, por exemplo, na culinária. Não é uma forma de amar os outros? Sei lá, acho que acabamos sempre por encontrar amor nessas coisas. Se amor é o meu tema preferido? Não, acho é que o amor se insere em todas as coisas.

Acho que nós, mulheres e mães, estamos sempre a sentir que estamos em falta em alguma coisa

E a música ‘As Mães de Hoje em Dia’ como é que surgiu? Sofreu muito com a ‘pressão social’ que é feita às mães?

Há várias questões nisto da maternidade. Por exemplo, nas entrevistas feitas a mulheres que são mães perguntam sempre: ‘Como é que consegue conciliar a maternidade e a carreira?’. E ainda outro dia falava com o Miguel Araújo, que tem três filhos, e perguntei-lhe se alguma vez lhe perguntaram isso e ele respondeu: ‘Acho que sim, uma vez…’. Pois… é que a mim é em todas. Essa pergunta muitas vezes vem carregada… ou nós vemo-la com alguma culpa. Acho que nós, mulheres e mães, estamos sempre a sentir que estamos em falta em alguma coisa. Então quando vem uma pergunta dessas respondemos ‘consigo conciliar’, mas depois pensamos para nós: ‘Será que consigo?’,  ‘estou mesmo a conseguir?’; ‘Estou a fazer isto bem?’. Por isso, essas perguntas trazem sempre algo negativo.

E acha que muita dessa pressão vem das redes sociais onde a maternidade parece ser tão perfeita e onde as mulheres conseguem desempenhar com perfeição todas as suas ‘tarefas’?

Como não exponho a minha família nas redes sociais, não exponho os meus filhos, não recebo tanto disso, mas vejo outras pessoas a sofrerem com isso. Outro dia, por exemplo, vi uma rapariga que tinha o filho a soprar um balão e tinha logo não sei quantas pessoas a dizer: ‘Tem noção do perigo que é?’,  ‘Ele pode morrer asfixiado com o balão!’. Uau! É uma criança e é um balão! Toda a vida houve crianças com balões, claro que uma pessoa tem de estar atenta, mas o que é isto?! De repente, todos têm de educar os filhos uns dos outros. E depois as pessoas começam a justificar-se logo desde o início. ‘Claro que eu estava a olhar’, ‘foi só um segundo’, ‘tirei uma fotografia e tirei-lhe logo o balão’ e ‘este balão não asfixia porque é feito não sei do quê’. Isto deixa-me um bocado ansiosa.

Então esta canção surgiu por aí…

Esta canção nasceu de uma altura que tive Covid, quando estava a fazer os concertos do Coliseu com os ‘Desconcerto’. Estávamos a adiar há dois anos e tive logo Covid no primeiro dia e então fiz online. No primeiro dia, estava a sentir-me super mal e dei um concerto de três horas a escrever em improviso. Senti que ia cair para o lado e morrer, foi mesmo horrível. Nos outros dias foi muito melhor, mas nesse primeiro dia foi muito duro. Então, fiquei em casa dos meus pais, estava grávida na altura, isolada num quarto, e o meu marido ficou com os meus dois filhos, em casa.

Nós julgamos imenso umas às outras. E atenção! Também caio nisso muitas vezes

A certa altura, o meu marido estava a contar-me que esteve a falar com uma amiga, os nomes não interessam [risos]. E ela disse: ‘Também não percebo porque é que a Luísa não podia ficar com os miúdos durante o dia e à noite fazer os concertos’. E eu pensei: ‘Mas o que é que ela tem a ver com isso?’. O que é que ela sabe que é preciso para dar um concerto? O que é que ela sabe da minha concentração? Daquilo que eu sinto? Porque toda a gente sentia a Covid de forma diferente. Quem é ela para julgar aquilo que eu faço com a educação dos meus filhos? Aquilo irritou-me de uma forma que comecei a pensar escrever sobre isso. Nós julgamos imenso umas às outras. E atenção! Também caio nisso muitas vezes. Com a amamentação, por exemplo. Eu digo sempre que uma mãe tem ali só um número de meses que é certo amamentar. Ou não amamenta e é tipo ‘oh ela não amamentou’ ou é ‘a sério que ela ainda está a amamentar?’ Há ali um número específico de meses em que é ok. Mais do que aquilo é estranho, menos do que aquilo é mau. E eu às vezes dou por mim a pensar: ‘Ai que horror ainda mama? É enorme!’. Dou por mim com esse tipo de julgamentos de mãe.

É quase impossível uma pessoa não julgar esse tipo de coisas. E tem um monte de dentes e tal [risos]. Uma pessoa julga um bocado essas coisas, por isso, esta música também é para mim. Mas pronto, esta canção é sobre todas essas críticas sociais que sofremos na maternidade, que é o nosso ponto fraco. É tipo: ‘Podem criticar-me tudo, mas a minha maneira de ser enquanto mãe, não’.

De regresso a ‘DanSando’, os primeiros concertos da digressão foram no estrangeiro. Como é que correram? Havia muitos emigrantes portugueses? Ou a maior parte do público era da Alemanha e do Luxemburgo?

Normalmente, quase não há emigrantes mas, desta vez, no Luxemburgo, havia. Eu acho que era por ser uma terra onde havia muitos portugueses, mas não eram só portugueses entre o público. Eu perguntei, porque é um bocado absurdo estar a falar inglês ou francês e no fim serem todos portugueses, por isso, pergunto sempre. Mas há um ano atuei também no Luxemburgo, noutro local, e havia muito poucos portugueses. Já na Alemanha quase não havia portugueses, eram para aí três.

Eu adoro tocar lá fora porque eu sinto que a voz, a melodia, a música chegam para passar mensagens. E também falo sempre antes das canções para explicá-la. Por exemplo, na Alemanha, toquei o ‘Serei Sempre Uma Mulher’. Expliquei antes sobre o que era a música, o que é que significava para mim e foi uma das canções que correu mesmo bem. As pessoas não paravam de bater palmas no fim, ou seja, as pessoas não perceberam o que eu disse nas minhas palavras, mas perceberam na intenção. E isso é mesmo muito bonito, perceber que pode ir para além da língua, apesar de eu ser muito apaixonada pela nossa língua. Contudo, há canções, como ‘As Mães de Hoje em Dia’, que não dá para explicar ou para traduzir. A ironia toda que essa canção tem só se compreende ao perceber as palavras. Depende mesmo das canções. Não há como traduzir certas ironias como ‘vai vestido de batizado e todo penteado’. Quando não se sabe a língua, percebe-se mais emoções mais fortes do que mais jocosas.

E por agora, além da digressão, há algum projeto na manga? É que a Luísa habituou-nos a abraçar vários projetos ao mesmo tempo, desde livros a podcasts…

É verdade, é verdade. Agora estou a tentar reduzir um bocado as coisas que faço e fazê-las melhor. Há um podcast que eu gostava de fazer ainda [risos]. É verdade, sou um bocado viciada nesta coisa do processo criativo. Enquanto falava com os letristas, fiquei muito interessada em entrevistar pessoas de outras áreas criativas. Sempre achei que o meu podcast ia só chegar a pessoas que estavam interessadas em escrita de canções e depois, de repente, fui recebendo mensagens de pessoas de outras áreas. Da arquitetura, do design, da fotografia. Pessoas a dizer que gostavam do podcast. E comecei a perceber que o lugar de onde vem a criatividade acaba por ser comum a todos os seres criativos e que têm profissões criativas.

Entretanto, ouvi o podcast do Pinto Balsemão com a Joana Vasconcelos e ela falava do processo criativo dela e eu pensei: ‘Que giro! Gostava de explorar isto, um bocadinho mais a fundo, com ela’. Então comecei a pensar nisso, mas pronto, tenho de me dedicar porque é realmente uma coisa que me consome imenso tempo. Mas sim, tenho vários projetos. Há tantas coisas que quero fazer ainda. Mas estou mais em paz com elas, já não quero fazer todas para ontem. Agora vou promover este disco, que estava a fazer há quatro anos, e depois vou com calma concluindo os outros projetos.

O que é que lhe dá mais gozo, escrever ou dar concertos?

É assim, não sei bem, mas se tivesse de escolher uma coisa acho que escolhia deixar de dar concertos porque gosto mesmo muito de escrever e gosto muito escrever para outras pessoas. Agora também adoro tocar e emocionar-me com aquilo que estou a dizer. É difícil escolher, são as duas coisas que fazem aquilo que eu sou.

E prefere dar um concerto mais intimista ou concertos para milhares de pessoas?

Mais intimista, sempre! Não tem de ser para 10 pessoas, mas gosto de conseguir ver a última fila. Concertos para milhares de pessoas, para mim, é um bocado impessoal. Dar um concerto mais intimista tem uma parte boa que é estar mais ligado às pessoas, mas também tem uma parte má que é uma pessoa acende o telefone e distrai-me completamente porque há uma luz ali.

Pois, li numa outra entrevista sua que não gosta que as pessoas peguem no telefone nos seus concertos…

Acho que nenhum artista gosta disso. Distrai imenso. As pessoas não têm noção de que quando ligam o telefone ficam todas iluminadas, para além de que é muito chato para as pessoas que estão ao lado. As pessoas não conseguem hoje em dia estar uma ou duas horas sem ver o telefone. E muitas vezes estão a ir ao Instagram, ainda se fosse uma chamada do hospital, mas não, estão só a ir ver uma coisa que nada tem a ver.

A poucos dias do Natal, resta-me uma pergunta. O que mais deseja receber no sapatinho?

Aquele cliché, amor e paz [risos]. Não, o que eu gostava de receber era um daqueles carrinhos para ir ao mercado que o meu estragou-se e o alisador de cabelo que eu uso para os concertos, que o meu também se estragou. Se houver aí alguém que me queira oferecer um [risos].

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