"Acredito que [Putin] toma esteroides para tratar um cancro linfático"

John Sweeney acompanha Vladimir Putin há mais de duas décadas, desde a Chechénia. Diz que este não é louco mas antes simplesmente mau. Acredita que o presidente russo combate um cancro e que se trata com esteroides, o que lhe inchou a cara e o humor, fazendo-o agir erraticamente. 

O jornalista, que já trabalhou para a BBC ou para o The Observer, cobre a guerra na Ucrânia de forma independente e tornou-se conhecido pelo seu gorro laranja nos telhados de Kyiv, quando a cidade estava cercada pelas forças russas. 

No seu novo livro, ‘Assassino no Kremlin’, traça a carreira sangrenta do presidente russo, desde a infância, passando pelo envenenamento de Aleksandr Litvinenko, até os massacres cometidos agora na Ucrânia. ‘Assassino no Kremlin’ inclui reportagens inéditas a partir do país invadido.

Diz no seu novo livro que Putin não é louco mas simplesmente mau. Como pode afirmar isso? Até que ponto vai a maldade do presidente russo?

Para ser sincero, acho que ele é louco, sim, mas os psiquiatras dizem que ele não é louco da forma como concebemos a palavra. E eu tenho de respeitar. Ele não tem alucinações, não ouve vozes, portanto temos de definir outro termo. Os psiquiatras não gostam que lhe chamemos louco porque reduz a nossa capacidade de descrever o mundo. 

Semyon Gluzman, um amigo da Associação Ucraniana de Psiquiatria, é quem diz que ele não é louco mas sim mau. Tal como Hitler ou Estaline. E a questão é? Quão mau? Neste momento, nem conseguimos colocar um número na quantidade de pessoas que já morreram.  A Ucrânia fala em 70 mil soldados russos – número exagerado –  e não sabemos ao certo quantas pessoas morreram em Mariupol, mas acho que falar já em 100 mil mortes ou mais é realista. 

Pode dizer-se que os números não são tão maus quanto os das vítimas de Hitler ou Estaline. Mas, recordemo-nos, estamos no século XXI. Este tipo de guerras, estes homicídios em massa, já não deviam ter lugar e as mortes ainda não acabaram. 

Putin tem um medo mórbido de contacto com outras pessoas, é profundamente paranoico e não entende o mundo dos dias de hoje  

O que acho sobre Putin é que ele tem uma visão sobre o mundo muito restrita e limitada e está rodeado de antigos agentes da KGB (principal organização de serviços secretos da União Soviética), recrutados nos anos 70, e que também eles mantêm uma visão do mundo dessa data. Não há ninguém do seu círculo mais próximo que diga: “Ouça, isto não vai resultar”. E porquê? Porque historicamente, quem o fez foi ou baleado, atirado de uma janela, ou envenenado. E como agravante, os jornalistas, pessoas que fazem o meu ou o seu trabalho, já não existem. Pelo menos não na forma como deveriam existir. Quem fazia trabalho jornalístico está ou na cadeia, ou morto. 

Portanto, Putin é mau, tem agido de forma completamente irracional e acredito que a pandemia de Covid-19 tornou tudo pior. Basta olhar para a longa mesa na qual Putin se senta com outros líderes. Recordemo-nos da reunião com Macron, mesmo antes de a guerra começar. Ainda segundo Semyon Gluzman, aquilo é a distância que Putin quer manter da ‘morte’. Putin tem um medo mórbido de contacto com outras pessoas, é profundamente paranoico e não entende o mundo dos dias de hoje. 

Ashley Grossman acredita que ele [Putin] está a tomar esteroides e que está a sofrer de uma qualquer doença

Em 2014, foi à Sibéria e questionou o presidente russo sobre “as mortes na Ucrânia”, a propósito do avião MH17. O que mudou em Putin desde então, que o levou a começar uma guerra? 

Ele começou pelo Donbass, mas era uma guerra limitada, com umas 10 mil pessoas envolvidas, e acho que, à data, o Ocidente devia tê-lo condenado veementemente. Mais do que aquilo que foi feito. Mas desde então muita coisa mudou. Ele era um político que brincava com a democracia e que queria jogar dentro das regras do Ocidente – na maior parte do tempo. Mas distanciou-se disso. Hoje em dia podemos dizer que se move na extrema-direita russa, é um nacionalista fervoroso e um fascista. 

Em 2014 eu chamar-lhe-ia apenas autoritário. Mas o que ele fez foi usar algo semelhante a democracia como máscara. E em fevereiro arrancou essa máscara. Porquê? Primeiro, Putin está no poder há 22 anos… E  nos últimos, perdeu a sua tenacidade. Tornou-se incrivelmente mais rígido. Ele sabe – e porque já matou demasiadas pessoas e roubou demasiado dinheiro – que não pode sair do poder e colocar lá alguém que goste. Terá de ficar. E está a fazê-lo com a mentalidade KGB dos anos 70. 

Acredito que toma esteroides para tratar um cancro linfático (…). Os esteroides têm vários efeitos psicológicos tais como alterações de humor grandes e erráticas e maior agressividade

Depois, Putin está a ficar velho. Tem agora 70 anos e sabe que está a ficar sem tempo. Portanto, teve medo de que se não agisse agora contra a Ucrânia agora, talvez não voltasse a ter oportunidade de o fazer, de fazer algo grande equanto estiver no poder. Depois, a sua saúde. Quão doente está Putin? Aqui voltamos a ter o mesmo problema dos jornalistas e das pessoas que se batem pela verdade. Em Moscovo, estão todos mortos ou presos – ou foram atirados de janelas. Portanto não é possível saber o que se passa ao certo com a saúde do presidente russo. O que sei, e estou muito confiante ao dizê-lo, é que quando o conheci em 2014, a cara dele estava bem, fina, com aspeto normal. Agora a cara parece gorda, parece um hamster, inchado. 

O meu amigo Ashley Grossman, reputado médico e professor de endocrinologia na Universidade de Oxford, acredita que ele está a tomar esteroides e que está a sofrer de uma qualquer doença. 

Cancro?

Sim, acredito que toma esteroides para tratar um cancro linfático. Quando perguntei a Grossman se apostava 5 libras em como teria cancro linfático ele disse que apostava 50. John F. Kennedy também usava e abusava de esteroides para tratar doença de Addison.

Grossman até especula que duas grandes crises nucleares [a de JFK e a de Putin] se devam a raiva por esteroides. Os esteroides têm vários efeitos psicológicos tais como alterações de humor grandes e erráticas e maior agressividade.

Acredita que Putin influenciou o Brexit. As investigações do Reino Unido não encontraram provas. Acha que um dia poderá ser provado?

Sim. O problema aque é que nenhuma dessas investigações foi de boa qualidade porque não há interesse em que se saiba. Aqueles que podem realmente saber são o MI5 e MI6 [serviços de inteligência] e não lhes foi pedido que investigassem porque o Partido Conservador, no poder, não está interessado. Se a resposta à investigação for sim, a Rússia influenciou o Brexit, eles vão parecer os pequenos idiotas de Putin. E ninguém está interessado nisso. 

Podemos ainda falar sobre a National Crime Agency, que parece muito conceituada, mas a verdade é que têm falta de fundos e à data tinham tanta coisa, que não deram prioridade a este tema. Nos Estados Unidos, por exemplo, já se conseguiu provar que sim, que a Rússia teve influência nas eleições, que ajudou Trump? No Brexit não o faria porquê? Eu não posso prová-lo, mas quem discorda de mim também não consegue provar o contrário. 

Há cinco grandes razões pelas quais Putin não vai optar por um ataque nuclear

Acredita que o apoio que até agora tem vindo dos EUA pode diminuir com as mudanças políticas no país?

Acho que não vai mudar muito. Mas tem havido rumores de que algumas pessoas na Casa Branca querem mesmo que a guerra termine e que a administração Biden pode fazer alguma pressão à Ucrânia para fazer cedências. E já agora, os chineses são igualmente a favor desta ‘solução’. 

Qual é a sua opinião sobre estes rumores – de ambas as partes – sobre uma guerra nuclear? Em que é que acredita?

Acho que há cinco grandes razões pelas quais Putin não vai optar por um ataque nuclear.  A primeira é porque a Ucrânia é ao lado e demasiado próxima da Rússia. E o vento sopra na direção contrária muitas vezes. Se ele atacar a Ucrânia, atacará a Rússia também. Depois, a China não gosta NADA da ideia. Nisto China e Rússia lideram de forma diferente: a China não gosta do Ocidente mas precisa dele. Nós compramos triliões em produtos chineses. A Rússia, em comparação… muito pouco. O que é que isto quer dizer? Um ataque nuclear na Ucrânia colocaria a Europa em recessão, o que seria mau para a economia da China. A Rússia quer uma Europa enfraquecida – daí a influência no Brexit também. 

Nos últimos dias, Putin até veio dizer que de tudo farão para evitar uma guerra nuclear… Eles têm medo. Mas principalmente por causa da China, que está mesmo contra. Mas Putin também não é suicida, sabe que o mundo inteiro estaria contra ele. Perderia a China como aliado e não se pode dar a esse luxo. 

Mas mais do que isso, há um acordo entre a China e os Estados Unidos, em como os EUA não devem ceder tanques e aviões à Ucrânia. Os Estados Unidos não querem que as forças russas sejam humilhadas. Discordo desta política e há pessoas dentro do governo dos EUA que partilham da minha opinião, de que Putin tem mesmo é de ser humilhado, porque se ele alcançar algum acordo de paz, ele nunca vai parar. Isto é o priblema do Saddam e do Iraque de novo. Os Estados Unidos não estão interessados em caos na Rússia. Esta linha de pensamento não está no meu livro, só agora comecei a ‘estudar’ o que se passa nos Estados Unidos, porque este assunto estava debaixo do véu das eleições intercalares. 

Os americanos vão entregar as armas de que a Ucrânia precisa para avançar? Neste momento não tenho resposta para isso

Se não acredita numa guerra nuclear, o que antecipa para os próximos meses de guerra? Vai ser um inverno muito difícil…

Vai ser um inverno cruel. A Ucrânia foi muito mais atingida pela guerra do que a Rússia. Pessoas sem energia este inverno vão sofrer muito, terão um inverno miserável. A Ucrânia tem um espírito de guerra incrível, mas neste momento não tem forma de se financiar. Isso vem dos Estados Unidos neste momento, que podem mexer na guerra apenas gerindo o material que enviam. Mas acho que em termos bélicos, nada mudará profundamente.

Em Kherson estão a recuar [à data desta entrevista, as forças russas ainda não se tinham retirado], e também perderam em Kyiv e em Kharkiv… Mas os americanos vão entregar as armas de que a Ucrânia precisa para avançar? Neste momento não tenho resposta para isso. 

Recuemos aos seus primeiros meses em Kyiv. Como foi ver uma guerra começar e lidar com a incerteza do que aconteceria? 

Foi muito diferente para mim, porque estive na Chechénia, por duas vezes, há 22 anos. Portanto, quando começou esta guerra já estava farto e cansado de ver o Ocidente a ignorar Putin. E pensei: “Que se lixe, vou ficar. Vou comprar álcool suficiente e encontrar um lugar seguro”, e assim foi. Mas depois vieram as contas de matemática da guerra que não faziam sentido. Putin tinham um número muito abaixo do que se deve ter quando se ataca. Três vezes abaixo… E as coisas continuavam a chegar à cidade… Havia laranjas frescas! Havia pontos que não estavam detetados pelos russos por onde os produtos e as pessoas passavam… Então, estávamos confiantes. Pus o meu gorro laranja da sorte e comecei a fazer diretos para o Twitter… É engraçado, que a minha ex-mulher até me ligou – ela vive nos Estados Unidos – com medo de que eu fosse baleado por um snipper, por o gorro ser tão vistoso. “Tira a porcaria desse gorro”, disse-me. Recusei-me. Os russos estavam a sete quilómetros do centro da cidade. Nessa altura tinha mais medo da polícia ucraniana, que andava em stress e podia disparar erraticamente, do que dos russos. Vivo em ambientes de guerra há 30 anos. Sabia cuidar de mim, estava bem, e a energia e moral dos ucranianos contagiaram-me. 

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