Artistas Unidos estreiam peça sobre a "parte maldita" da Humanidade

 

Escrita pelo dramaturgo grego Dimitrís Dimitriádis (1944), que dedica a obra “aos que vivem, tendo consciência de que quem vive sabe o que é a porcaria”, “A circularidade do quadrado” é “uma peça sobre ‘la part maudite’, a parte maldita da humanidade”, como disse o encenador Jorge Silva Melo.

Quem vive, “sabe o que é o nojo, a degradação, a violência, a misoginia”, frisou o encenador.

A inevitabilidade da existência humana quando empurra as pessoas para o seu limite pondo-as a matar-se mutuamente, para pouco depois as ressuscitar na esperança de que venham a encontrar o amor, é uma presença constante na peça.

Escrita em 2009 pelo dramaturgo grego nascido em Salónica, e editada agora na coleção dos Livrinhos de Teatro da companhia, em parceria com a livraria Snob, ‘A circularidade do quadrado’ — que em francês tem o título ‘La ronde du carré’ — baseia-se em ‘La ronde’, de Arthur Schnitzler, peça em que o autor austríaco aborda a circulação da sífilis em Viena, em 1890, e que, em 1950, o realizador Max Ophüls dirigiu para o cinema.

Segundo o encenador Jorge Silva Melo, esta peça de Dimítris Dimitriádis baseia-se na circulação do desejo embora “aqui não circule tanto como isso”.

“Há uns pares em que circula, mais por trabalho dos atores, como por exemplo na personagem interpretada por Bruno Vicente, que faz a ligação com o psicanalista e com um par gay, que não está escrita na peça”, disse.

“É um jogo que ele foi inventando e que eu achei muito bem, porque a peça permite esses jogos que são cruzamentos de olhar, designação de destinatário”, frisou.

Esta é a segunda vez que esta peça do dramaturgo grego é representada em Portugal. Estreada em julho de 2014 no Festival de Avignon, em França, ‘A circularidade do quadrado’ chegou a Portugal em setembro de 2015, integrada na iniciativa Próximo Futuro, então promovida pela na Fundação Calouste Gulbenkian.

“Foi um espectáculo muito bonito de um jovem encenador grego, Dimítris Karantzas”, que adaptou o texto do consagrado autor grego apresentando onze pessoas de diferentes géneros, gerações e preferências sexuais, que partilhavam uma necessidade irresistível.

A peça que agora se estreia no CCB está posta em cena como se se tratasse de um ensaio, um desejo de Rita Lopes Alves, responsável pelos figurinos e a cenografia, e do encenador, referiu Jorge Silva Melo. São nove cenas permanentemente repetidas e sem desenvolvimento.

Apesar de a peça abordar a circulação do desejo, na obra esta circulação é apenas um esboço.

“Como se fossem esquissos ou desenhos que apontam numa direção, mas depois não chega a haver desenvolvimento”, disse Jorge Silva Melo.

Até porque o espectador nunca sabe o que é que acontece ao par de gays, ou à mulher que tem marido e um amante, nem a qualquer das outras personagens.

Daí que ‘A circularidade do quadrado’ se paute por uma sucessão de apontamentos permanentes, obsessivos e psicanalíticos.

Jorge Silva Melo não considera, porém, que o autor seja misógino.

‘Misógina é a sociedade, é a História. A História é que construiu uma misoginia imparável de que não nos libertamos, não sei porquê, ainda que continuemos a tentar libertar-nos”, frisou.

“Parece-me que [Dimitrís Dimitriádis] é cruel, cru, desabrigado, impiedoso, mas pedindo aos espectadores o que os gregos antigos pediam: terror e piedade”, sublinhou.

Nove personagens numa espécie de permanência, mas ansiosos por voltarem ao início, à inocência, é como se pode definir a ação de “A circularidade do quadrado”.

O desejo de voltar ao início é mesmo audível numa das falas repetidas por uma das atrizes, que refere que tudo “deve ser sempre anulado e voltar ao início”.

São nove personagens à procura do amor ou de uma qualquer inocência, sem que a consigam atingir, já que estão “atulhados de porcaria e de preconceitos”, como disse Jorge Silva Melo.

“A circularidade do quadrado” torna-se, assim, uma peça dura e violenta. Uma violência que existe, é nossa contemporânea e que está sempre a ser revelada, frisou.

Jorge Silva Melo conta encenar ainda este ano, ou em janeiro de 2022, pequenas peças de dez a quinze minutos, que o autor grego lhe enviou e nas quais Dimitriádis retoma mitos gregos, como Narciso.

“Textos que não são cruéis, mas antes mitos líricos”, disse Silva Melo.

Depois das representações no CCB, “A circularidade do quadrado” estará em cena no Teatro da Politécnica, em Lisboa, a partir de dia 23 até 17 de julho, com representações de terça-feira a sábado, às 19:00.

A interpretar a peça, com tradução de José António Costa Ideias, estão Hugo Tourita, Antónia Terrinha, Inês Pereira, Pedro Caeiro, Nuno Pardal, Simon Frankel, Bruno Vicente, Nuno Gonçalo Rodrigues e Vânia Rodrigues.

A cenografia e os figurinos são de Rita Lopes Alves e, a luz, de Pedro Domingos.

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