Bienal de Veneza deve ser "um canal para manter o debate vivo"

A responsável manifestou estas expectativas em entrevista à agência Lusa a propósito do início do certame, que abre entre hoje e sexta-feira, apenas para profissionais, e ao público em geral, no sábado, dia em que realizará a cerimónia de atribuição do palmarés.

“Esta é uma bienal nascida de uma pandemia, e completamente organizada e instalada nesse contexto. A invasão da Ucrânia pela Rússia acrescentou mais uma camada de complexidade, e até nos fez questionar as razões para fazer uma exposição de arte nesta altura de uma guerra tão próxima de nós”, comentou a curadora-geral do evento internacional dedicado à arte contemporânea.

No entanto – acrescentou Cecilia Alemani à agência Lusa – “ao mesmo tempo, a bienal sente as mudanças do mundo e também se adapta”.

“É um espaço que pode acolher diferentes vozes, países e artistas, como já aconteceu no passado, porque, infelizmente, não é a primeira guerra que vivemos. Esta instituição é como um sismógrafo que recolhe, absorve os movimentos da História” das sociedades, apontou, sobre o evento que irá acolher trabalhos de 213 artistas convidados, de 58 países, além das 80 representações nacionais, até 27 de novembro.

Quanto às tomadas que posição que a direção da Bienal tem anunciado sobre o conflito, nomeadamente de que não aceitará a presença, nos seus eventos, de instituições ou personalidades ligadas ao regime russo, mas abrirá portas aos que “defendem a liberdade de expressão” contra a “inaceitável” invasão da Ucrânia, a curadora-geral disse não querer comentar.

“Estamos muito contentes por acolher um Pavilhão da Ucrânia, e apoiar ao máximo. Esperamos apoiar os artistas e a cultura ucraniana com afeto e várias iniciativas”, resumiu, sobre a postura em relação à guerra.

A Bienal anunciou recentemente que foi criada uma Praça Ucrânia, pelos curadores do pavilhão nacional do país, Borys Filonenko, Lizaveta German, Maria Lanko, composta por uma instalação ao ar livre nos Giardini, para dar voz aos artistas ucranianos e a todos os que quiserem manifestar solidariedade.

Cecilia Alemani confia que a edição deste ano da Bienal de Arte de Veneza virá a ser “um lugar de discussão de todas estas questões, um canal aberto para a diplomacia internacional se encontrar com a arte”, num contexto em que “é muito complicado prever o futuro, mas a arte pode ser uma linguagem que conecta”.

“Nós sabemos o que acontece quando se fecham portas, e começamos a dizer não queremos arte ou música russa, mas a cultura deve ser um canal facilitador”, defendeu a curadora italiana, com base em Nova Iorque, que tem trabalhado com artistas como El Anatsui, John Baldessari, Carol Bove, Sheila Hicks, Rashid Johnson, Barbara Kruger, Zoe Leonard, Faith Ringgold, Nari Ward e Adrián Villar Rojas.

Os artistas e curadores do Pavilhão da Federação Russa decidiram renunciar às suas funções no projeto, cancelando a participação na exposição que constitui uma das mais importantes montras mundiais da arte contemporânea.

“A minha expectativa, apesar da guerra, é que possamos reunir-nos fisicamente com os artistas e agentes culturais, para celebrar o que mais amamos, na cidade de Veneza, cheia de exposições magníficas, e com uma programação paralela”, apelou a responsável.

A metamorfose individual e do mundo através da imaginação vai ser o tema da Bienal de Arte de Veneza de 2022, inspirado no livro ‘The Milk of Dreams’, da artista surrealista Leonora Carrington (1917-2011).

Esta 59.ª Exposição Internacional de Arte da Bienal de Veneza vai focar-se essencialmente em três temas: a representação dos corpos e as suas metamorfoses, a relação com as tecnologias, e ainda a conexão entre os corpos e o planeta Terra.

Cecilia Alemani é, desde 2011, diretora e curadora chefe da High Line Art, um programa de arte pública que veio dinamizar o parque em que foi transformada a antiga linha férrea suspensa da zona oeste de Manhattan, em Nova Iorque, e foi curadora do Pavilhão de Itália na Bienal de Arte de Veneza de 2017, cujo conteúdo tinha como título ‘O Mundo Mágico’.

Lançou o High Line Plinth, um novo programa sobre peças de arte monumentais inaugurado em junho do ano passado com ‘Brick House’, uma escultura da artista Simone Leigh.

Em 2018, foi curadora de uma exposição de arte pública em Buenos Aires, que celebrou a riqueza cultural da capital argentina.

Anteriormente, foi curadora independente, desenvolvendo projetos para museus como a Tate Modern, em Londres, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA), e instituições sem fins lucrativos como a Artists Space and Art in General, também em Nova Iorque.

É formada em Filosofia pela Universidade de Milão, e possui um mestrado em estudos curatoriais de arte contemporânea na Bard College, em Nova Iorque.

A representação nacional portuguesa nesta edição da Bienal de Arte de Veneza está a cargo de Pedro Neves Marques, autor do projeto da representação nacional, ‘Vampires in Space’, com curadoria de João Mourão e Luís Silva, que ficará instalado no Palácio Franchetti.

Na exposição-geral haverá uma sala central dedicada à obra da pintora Paula Rego, com pintura, escultura e gravura, e, no âmbito da programação das galerias de arte, Pedro Cabrita Reis vai apresentar a obra ‘Field’, especialmente concebida para a Igreja di San Fatin.

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