Brigitte Giraud vence Prémio Goncourt com livro sobre morte do marido

‘Vivre vite’, publicado pela Flammarion, é a história de uma investigação que tentar desvendar os meandros do acidente de carro fatal sofrido pelo seu marido, vinte anos antes.

Brigitte Giraud é a primeira escritora a receber o prémio desde ‘Canção doce’, de Leila Slimani, em 2016, e a 13.ª mulher distinguida desde a criação do Goncourt, há 120 anos.

A obra agora vencedora ainda não tem edição portuguesa, mas a sua autora já está publicada em Portugal, com um romance de 2010, da Livros de Seda, que foi finalista do Prémio Femina, intitulado ‘Um ano estrangeiro’.

Para trás ficaram os outros três finalistas: o escritor italo-suíço Giuliano da Empoli e o seu romance ‘Le Mage do Kremlin’, que tem publicação prevista em Portugal este mês, a francesa Cloé Korman, com o romance ‘Les Presque Soeurs’, e o escritor haitiano Makenzy Orcel, com o romance intitulado ‘Une somme humaine’.

O anúncio foi feito no restaurante Drouant, em Paris, onde os jurados se reuniram, tendo sido anunciado alguns minutos depois o vencedor do prémio Renaudot, atribuído a Simon Libérati, por ‘Performance’.

Brigitte Giraud, que nasceu na Argélia e vive em Lyon (centro-leste de França), tinha inicialmente alguma experiência em literatura, mas pouco reconhecimento público, até porque a sua vida não foi toda centrada na escrita, tendo exercido diversas profissões.

Depois de ter estudado línguas (inglês, alemão, árabe), que a tornariam uma tradutora, trabalhou brevemente na indústria, mas acabaria por se virar para a cultura.

“Eu era um pouco livreira. Trabalhei como jornalista ‘freelancer’ no Lyon Libération. Que mais é que eu fiz? Fui conselheira literária para festivais… Fui também editora em determinada altura. E escrevi cerca de dez livros: romances, ensaios, contos”, explicou a autora numa entrevista com a AFP.

Como escreve em ‘Vivre vite’, a “tragédia” ocorrida a 22 de junho de 1999, em Lyon, cortou-lhe a vida em dois. Nesse dia, o seu marido, Claude, partiu demasiado depressa, num semáforo, com uma mota demasiado potente, que não era sua. Caiu e nunca mais recuperou.

Em 2001, escreveu sobre as semanas que se seguiram a esta morte em ‘À présent’, texto a que chamou “o livro do choque, da explosão, do logo a seguir ao acidente”.

Pais de um menino de 8 anos – Theo, a quem o livro é dedicado -, os dois tinham comprado uma casa com um jardim, nos arredores de Lyon, um lugar onde “podiam largar as malas durante toda uma vida”, mas não tiveram tempo, porque Claude morreu antes disso.

Então, Brigitte Giraud, com menos de 40 anos e um filho muito novo, mudou-se sem o marido para a casa que tinham acabado de comprar, para começar o seu luto.

“Eu vivi, publiquei livros. Apesar de tudo, voltei a pôr-me de pé, mesmo que, em tais casos, te tornes outra pessoa”, afirmou hoje a autora, que já tinha vencido o prémio Goncourt de contos em 2007 pela colecção ‘L’amour est très surestimé’. Em 2019, foi finalista do Prémio Médicis por ‘Jour de courage’.

“Eu sabia há muito tempo que teria de escrever o livro. O livro que é igual a Claude, à nossa história de amor, aquele que abraça tudo isso e procura a verdade, todas as verdades”, disse, ressalvando, contudo, que “não o poderia ter escrito antes de um período de 20 anos, porque tinha de estar a uma distância segura”.

Quando chegou a altura de vender a casa em Caluire-et-Cuire, perto de Lyon, a escrita veio e, com esta, o desejo de esclarecer certas circunstâncias que tinham permanecido obscuras durante muitos anos.

A narrativa sóbria foi imediatamente bem recebida pelos críticos, e atraiu a atenção de vários júris para os prémios de outono. Tal como no acidente, que foi o resultado de uma cadeia de acontecimentos improváveis, “houve um efeito dominó”, mas “aqui aconteceram coisas bonitas”.

A partir do título, ‘Vivre vite’ – emprestado de Lou Reed, um dos músicos favoritos do seu marido -, e de uma frase de Patrick Autréaux – “Escrever é ser levado ao lugar que gostaríamos de evitar” -, Brigitte Giraud define o ritmo musical e o singular contorno deste livro eminentemente comovente.

Sob a forma de uma contagem decrescente sem fôlego, a história desenha a genealogia de um desaparecimento e, com ele, o retrato sensível de um homem, guitarrista e crítico de rock, e de um casal despreocupado, apaixonado por música e literatura, no alvorecer de uma nova vida, descreve o jornal Le Monde.

No ano passado o Goncourt foi atribuído ao escritor senegalês Mohamed Mbougar Sarr, pelo romance ‘La plus secrète mémoire des hommes’, entretanto publicado em Portugal pela Quetzal, com o título ‘A mais secreta memória dos homens’, que foi considerado pelo júri “um hino à literatura”.

Mbougar Sarr, de 31 anos, tornou-se assim o primeiro escritor da África subsaariana a ser galardoado com o prémio, e o mais jovem vencedor desde Patrick Grainville em 1976.

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