Em entrevista à agência Lusa a propósito dos vinte anos, que se assinalam no dia 16, Pedro Costa, editor e um dos fundadores da Clean Feed, recorda um projeto editorial que é hoje exponencialmente maior do que em 2001, com um catálogo que tem alcance global e está atento ao que se faz em Portugal.
“Quando começámos, há 20 anos, não sonhámos que isto ia ser assim. Era para editar um ou dois discos por ano. Passados 20 anos, temos 600 discos editados, portanto tem sido produtivo e não estou assim tão preocupado, apesar de os discos se venderem pouco”, disse.
Em duas décadas, inauguradas com o álbum ao vivo “The Implicate Order At Seixal”, com músicos portugueses e norte-americanos, a Clean Feed foi várias vezes considerada, pela crítica especializada, uma das melhores editoras de jazz do mundo.
Chega a consumidores de várias latitudes, em particular nos Estados Unidos, já organizou concertos em vários território estrangeiros e chegou a ter uma loja física em Lisboa, mas atualmente expande-se através da Internet, aproveitando os recursos digitais, incluindo o ‘streaming’.
“Como temos um catálogo grande, o efeito cauda longa permite-nos alcançar os nosso objetivos”, e embora as vendas físicas estejam a diminuir, Pedro Costa fala num equilíbrio da balança com o digital, sobretudo porque dá mais visibilidade ao trabalho dos músicos.
A Clean Feed, que foi casa de músicos como Bernardo Sassetti, Evan Parker, Charles Gayle ou Ken Vandermark, prepara para este anos três novos momentos editoriais com vários lançamentos, em particular de música portuguesa.
Entre eles estão novos álbuns do guitarrista Afonso Pais, do baterista João Lencastre, da trompetista Susana Santos Silva e do contrabaixista Carlos Bica.
Na primavera sairá já novo registo do quarteto do violinista francês Dominique Pifarély ou do projeto Hearth, que junta Mette Rasmussen, Kaja Draksler, Ada Rave e Susana Santos Silva, gravado no Portalegre JazzFest 2019.
No entanto, Pedro Costa sublinha a presença, entre as novidades, de dois percussionistas, “pessoal que aproveitou bem” o tempo de confinamento por causa da pandemia da covid-19: Pedro Carneiro, “que tem estado a gravar desalmadamente e a fazer uns projetos super interessantes”, e Pedro Melo Alves, “fechado num estúdio no Porto”.
De ambos sairão vários discos este ano, inclusive um com o outro, disse Pedro Costa.
Em vinte anos, o editor coloca sempre na balança aquilo que quer descobrir, promovendo encontros entre músicos que depois resultam em disco, e o que tem de ouvir, escolhendo entre as dezenas de propostas que recebem.
“Agora recebo música que já reflete a pandemia, o confinamento. Há muitos músicos que estão fechados em casa a experimentar, a compor de uma forma diferente. O músico de jazz é uma esponja e quando compõe, toca, experimenta, mesmo sem pensar nisso está a refletir sobre o que lhe está a acontecer naquele momento”, afirmou.
Olhando para o que se faz atualmente na música improvisada e no jazz, Pedro Costa considera que “o fruto do tempo é a variedade”.
“Não existe um caminho dominante. Existem muitos caminhos e músicos muito abertos a absorver coisas muito diferentes. E o resultado final é muito, muito variado”, mas nota-se uma maior integração de instrumentos acústicos, eletrónica e uma capacidade técnica muito apurada.
O editor considera que na formação dos músicos se nota “uma diferença brutal”: “Nos últimos dez anos, tem sido uma coisa nunca vista, de músicos preparados tecnicamente para tocar os instrumentos e para procurar outras formas de apresentar a sua música”.
À pergunta sobre o que define a Clean Feed, Pedro Costa responde: “O que me interessa é que seja uma coisa distinta — é impossível ter sempre música nova, não pode ser uma obsessão, mas tenho mais interesse em ouvir música em que estou a pensar ‘isto e uma coisa diferente, estão a ir por outro caminho’, interessa-me que sejam músicos autênticos, que tenham personalidade e que seja fruto do nosso tempo”.
Num tempo abalado por um vírus que desacelerou e teve enorme impacto na atividade cultural, Pedro Costa acredita que “vão abundar discos a solo, duos. E isso é interessante”.
Atualmente, a Clean Feed continua a laborar, ainda que com trabalhadores em ‘lay-off’, mas a pandemia teve impacto na faturação, até porque muitos discos vendiam-se no final de concertos dos respetivos músicos. Pedro Costa fala em resiliência e um objetivo no horizonte: Ter um espaço de programação, um clube, uma sala.
“Tem sido um objetivo nos últimos três anos, mas ainda não aconteceu. […] Ou somos acarinhados por uma autarquia que veja nisto um interesse cultural para o município, ou então é difícil. Tem de ser uma coisa com alma, com bom som e isso não é fácil de conseguir”, disse Pedro Costa, que lamentou não ter obtido respostas a propostas enviadas às câmaras municipais de Oeiras e de Cascais.
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