Hanoch Levin (1943-1999) “é a principal figura do teatro israelita, tem quase 50 peças, e constitui-se como um grande crítico de alguns aspetos da sociedade” de Israel, dado ter tido sempre “uma relação conturbada com o poder”, disse à agência Lusa o diretor da companhia, Rodrigo Francisco.
Escrita em 1974, “Shintz” é uma peça que decorre no tempo que medeia entre a Guerra dos Seis Dias (junho de 1967) e a Guerra do Yom Kipur (outubro de 1973), na qual o dramaturgo denuncia os negócios que estão por detrás da guerra.
A peça tem por protagonista o patriarca da família Shitz — um título com o qual o autor jogou, de forma assumida, com o termo inglês ‘shit’, ‘merda’ — que é proprietário de uma empresa de transporte de entulho e que mais ganha, quanto mais guerra houver.
A peça põe também em cena um conflito geracional entre o patriarca, a favor do conflito, e a sua filha e seu genro, um soldado que tem de combater.
Encenada por Toni Cafiero, e na linha de outros trabalhos do encenador, em “Shintz” destaca-se a parte visual, num grafismo que surpreende e que cria um ambiente “grotesco” para falar desta família de “feios, porcos e maus”, sublinhou Rodrigo Francisco.
A peça decorre num cabaret, com música ao vivo de Ariel Rodrigues, que se apresenta ao piano a interpretar, o que faz com que grande parte do espetáculo seja cantado.
“Esta peça faz-nos refletir sobre alguns aspetos da nossa sociedade atual, nomeadamente como o consumismo desenfreado é a forma de colmatar um certo vazio existencial. Esta é uma família que está sempre a comer, de uma forma caricatural, até”, referiu Rodrigo Francisco.
Nos dias de hoje, “todos temos de consumir – os ricos consomem aquelas marcas específicas e os pobres consomem a imitação destas marcas”, o que demonstra “que algo está mal, se passamos a reduzir a nossa existência a consumidores”, frisou.
“Shitz” foi posta em cena várias vezes em Israel, tendo, em 1975, sido encenada pelo autor. Em 2015, foi transposta para ópera, com música do compositor israelita Yoni Rechter, e estreada na Ópera de Israel.
Em Almada, a peça é dirigida por Toni Cafiero, encenador e cenógrafo italiano de teatro e de ópera, formado pela École Internationale de Théâtre Jacques Lecoq.
Em 2016, Toni Cafiero encenou para a Companhia de Teatro de Almada a peça “O Feio”, de Marius von Mayenburg, estreada no Festival desse ano, e que teve muito sucesso junto do público e da crítica. Em 2019, trabalhou também com a Companhia de Teatro de Braga, na peça “A Antiga Mulher”, de Roland Schimmelpfennig, que também foi apresentada no Festival de Almada. Antes, em 2007, dirigiu “Goldoni Terminus”, peça levada à cena no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, no âmbito da Mostra Internacional de Teatro.
No trabalho de Cafiero destaca-se a direção de óperas como “Pulcinella”, de Igor Stravinsky, “O Barbeiro de Sevilha”, de Rossini, “Orfeo ed Euridice”, de Gluck”, e “A Flauta Mágica”, de Mozart, para companhias e iniciativas como a Ópera de Montpellier, o Teatro Storchi de Modena, a Ópera de Cremona e o Festival Valle d’Itria.
No teatro, abordou mais de 400 anos de expressão dramática, pondo em cena dramaturgos como Shakespeare, Calderón De La Barca, Carlo Goldoni, Molière, Tcheckhov, August Strindberg, Albert Camus, Luigi Pirandello, Eduardo De Filippo, Daniel Keene, Biljana Srbljanovic e Kressmann Taylor, entre muitos mais.
Com uma carreira de mais de quase três décadas, Cafiero trabalhou em Espanha, França, Áustria, Estados Unidos, Croácia, Argélia, Portugal, Turquia. Lecionou no Instituto de Teatro de Barcelona, nos conservatórios de Nantes e Montpellier, na Escola Nacional de Chaillot, em Paris, e na Universidade de Nova Iorque.
“Shitz” tem tradução de Lúcia Mucznik e música de Ariel Rodríguez, e interpretações de André Pardal, Diogo Bach, Erica Rodrigues, Pedro Walter e Ariel Rodríguez.
A cenografia é de Toni Cafiero e Guilherme Frazão e, os figurinos, de Ana Paula Rocha.
“Shitz” vai estar em cena até 30 de maio, com sessões de terça a sábado, às 21:00, e, aos domingos, às 16:00.