Companhias juntam-se para fazer ‘A nossa cidade’ no Teatro do Bairro Alto

Os Auééé, Os Possessos e o Teatro da Cidade são as três estruturas artísticas reunidas para a criação desta obra do dramaturgo norte-americano, numa produção proposta pelo diretor artístico do TBA, Francisco Frazão, e com a qual a sala teria assinalado a abertura de portas e os primeiros meses de atividade, se a pandemia de covid-19 não tivesse inviabilizado a estreia, em março de 2020, atirando-a para a próxima quinta-feira.

A peça, tal como a obra de Wilder, que foi Prémio Pulitzer de Teatro em 1938, acaba por se tornar na “cidade possível”, criada pelas três companhias, que pela primeira vez se reuniram para trabalhar juntas.

Seguindo o texto e as indicações da obra de Thornton Wilder (1897-1975), que faz parte do cânone dramático norte-americano e que é com frequência posta em palco na atualidade, as três companhias recriam a possível da cidade que o trabalho conjunto lhes permitiu fazer, disse à agência Lusa Guilherme Gomes, um dos fundadores do Teatro da Cidade.

Grover’s Corners é a pequena cidade inventada por Wilder, no estado do New Hampshire, onde decorre a ação. A vida urbana, nesse local, durante os anos de 1901 a 1913 é então contada, através das relações de vizinhos.

Assumindo como palco da ação urbana o próprio palco do teatro, Thornton Wilder acaba por recuperar, através da figura de um diretor de cena, aquilo que é essencial para a cidade – as coisas invisíveis -, no processo de recriação e evocação daquela localidade imaginária.

É “um bocadinho como escreveu Saint- Exupéry em ‘O Principezinho’, uma obra posterior, e na qual se referia que ‘o essencial é invisível aos olhos'”, observou Guilherme Gomes à agência Lusa.

“Ou seja, há uma série de referências geográficas, uma espécie de apresentação de contextualização da própria cidade inventada – estado norte-americano existe, a cidade não, é uma cidade inventada – e nessa evocação da cidade acaba por se perceber, de certa maneira, que as coisas importantes, aquilo que vale a pena convocar, aquilo que vale a pena guardar são as relações entre as pessoas, e é isso que vamos percebendo ao longo da peça”, acrescentou Guilherme Gomes.

“A verdade é que o espetáculo, depois, acaba por ser uma espécie de desvio da própria peça. Ou seja, há uma diferença, como acho que acontece sempre nos espetáculos, entre a peça e o espetáculo, claro”, indicou.

Embora a história de Grover’s Corners esteja presente e sirva de pretexto para o espetáculo, aquilo que importa em “A nossa cidade”, tal como Wilder a concebeu, são “as relações, as teias que se criam” e, no caso, as teias que se criam “entre as três companhias que, pela primeira vez, se reuniram” para um mesmo fim, frisou Guilherme Gomes.

“Eu acho que este espetáculo acaba por ser muito — como eu imagino que será sempre a própria peça –, mas acaba por ser muito sobre ‘fazer espetáculos'”, sublinhou o ator e encenador do Teatro da Cidade.

“A nossa cidade” acaba por ser uma espécie de “trabalho de artesanato” de pessoas que se reúnem e estão a convocar uma cidade imaginada, que nunca tem forma e na qual o que é visível são as pessoas e os seus temperamentos, referiu.

Por isso, a cidade de “A nossa cidade” confunde-se com a cidade que as três companhias conseguem fazer.

“A nossa cidade” acaba por se tornar na “cidade possível que estas companhias conseguem fazer”. “Não seria a mesma cidade com outros atores mesmo que a ideia de encenação fosse a mesma”, frisou Guilherme Gomes.

Questionado sobre o que representa voltar ao Teatro do Bairro Alto, onde foi ator de A Cornucópia, Guilherme Gomes admitiu sentir “uma grande alegria” por voltar àquele palco, “que é muito especial” para si.

Um lugar que é o mesmo, mas onde “agora se prometem novos futuros e outras opções”, disse à Lusa.

“Não consigo ficar indiferente a tudo o que aconteceu naquele lugar. Não só para mim, como para o próprio teatro português”, sublinhou, acrescentando que as paredes do Teatro do Bairro Alto “são uma espécie de lembrete de tudo o que representa para o teatro em Portugal”.

Escrita em 1938 e vencedora de um prémio Pulitzer para Drama no mesmo ano, a peça “A nossa cidade” tem tradução de João Pedro Mamede e Catarina Rôlo Salgueiro.

A criar e a interpretar o espetáculo estão Beatriz Brás, Catarina Rôlo Salgueiro, Filipe Velez, Guilherme Gomes, Leonor Buescu, Isabel Costa, João Silva, Joana Manaças, Miguel Cunha, Nídia Roque e Sérgio Coragem.

O desenho e operação de luz são de Rui Seabra, o desenho de som, de José Neves e André Carinha Mateus, que assina a operação de som.

A cenografia, adereços e figurinos da peça são de Bruno Bogarim.

“A nossa cidade” vai estar em cena no Teatro do Bairro Alto até 18 de julho, exceto no dia 12 em que não haverá espetáculo. Será representada de terça-feira a sábado, às 19:00, e, aos domingos, às 17:00.

Entre as muitas encenações e adaptações da peça de Thornton Wilder, destacam-se o filme “Our Town”, de Sam Wood, protagonizado por William Holden, com banda sonora original de Aaron Copland, que ganhou autonomia ao tornar-se numa conhecida suíte orquestral, a ópera homónima de Ned Roren e o bailado de Philip Jerry, para o American Repertory Ballet.

Foi também como diretor de cena de “A nossa cidade” que o ator Paul Newman (1925-2008) se despediu dos palcos, em Nova Iorque, em 2003, uma produção transposta para televisão, pela rede pública norte-americana PBS. A peça de Wilder também dera a Newman um dos seus primeiros desempenhos em palco, na década de 1950, dessa vez como adolescente George Gibbs, que, pouco a pouco, entra na idade adulta.

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