Coreógrafa Clara Andermatt suspende projetos por falta de apoio

A Companhia Clara Andermatt, com 30 anos de atividade, foi uma das estruturas da área da dança que ficou sem apoio nos concursos de apoio sustentado às artes de Dança, Música e Ópera e Cruzamento Disciplinar, Circo e Artes de Rua, na modalidade bienal para 2023-2024.

“Isto foi, de certa forma, estranho e ilegal, terem injetado a grande parte do dinheiro, ou quase a totalidade, nos concursos quadrienais, a meio do concurso, com um aviso de abertura que sai com umas regras, um modelo; e já [depois] com as candidaturas todas entregues, e sem conhecimento prévio, e sem uma exposição de uma ideia, dá-se uma mudança de quererem apostar mais nos quadrienais”, contestou a coreógrafa contactada pela Lusa.

Na sequência dos resultados que deram exclusão, a Companhia Clara Andermatt recorreu do resultado do concurso ao júri, mas recebeu uma resposta negativa, e seguidamente fez um recuso hierárquico, do qual aguarda resposta nas próximas semanas.

“Esta mudança de regras a meio do jogo não me parece respeitosa. A companhia ficou de um momento para o outro sem apoio, e sem conseguir completar o seu programa todo deste ano, de uma forma algo perversa”, avaliou a criadora, nascida em Lisboa, em 1963, que começou por estudar com a mãe, Luna Andermatt, figura de referência na história da dança em Portugal, e desde então trilhou um percurso artístico de nível internacional.

A companhia continua a funcionar nas instalações de escritório e estúdio na Interpress — Hub Criativo do Bairro Alto, que lhe reduziu “de forma substancial” a renda para os próximos meses, enquanto aguarda os resultados do recurso.

“Tive de desmantelar a estrutura de produção, com duas pessoas, a quem já não podia pagar ordenados”, apontou, acrescentando que acabou por concorrer aos apoios dos concursos da DGArtes para projetos pontuais, “mas que são insuficientes, e não resolvem tudo”.

Neste quadro, pediu uma reunião com a Câmara Municipal de Lisboa no sentido de obter algum novo apoio, encontro que deverá acontecer durante o mês de março, indicou a coreógrafa, que, em 2021, remontou o espetáculo “O Canto do Cisne”, para apresentar em Lisboa e Almada pela Companhia Nacional de Bailado.

Para já, a criadora tem garantias apenas para continuar projetos que envolvem parcerias, como o projeto “Lab in Dança”, com espetáculos que unem a dança e o circo, em parceria com a autarquia de Vila Nova de Famalicão, distrito de Aveiro, no âmbito do PARTIS – Práticas Artísticas para a Inclusão Social, iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian, com pessoas portadoras de deficiência e bailarinos profissionais. Este projeto irá em digressão em 2024.

“É, sem dúvida, o período mais difícil que já vivi em 30 anos. Claro que pode sempre acontecer ficar-se fora de um apoio num concurso, mas a forma como mudaram a regras repentinamente, sem manterem o princípio da proporcionalidade, é que subverteu todo o modelo, e muitas estruturas ficaram de fora”, reiterou, alertando que esta situação “abre precedentes para o próximo concurso”.

Para assinalar três décadas de vida da companhia, a coreógrafa estreou no ano passado o novo espetáculo “Pantera”, em homenagem ao músico cabo-verdiano Orlando Pantera, nome fundamental que trabalhou e divulgou as raízes culturais do seu país.

Clara Andermatt estudou no London Studio Centre e na Royal Academy of Dancing, na capital britânica, antes de uma passagem pelos Estados Unidos.

Entre 1984 e 1988, esteve na Companhia de Dança de Lisboa, dirigida por Rui Horta, seguindo-se, entre 1989 e 1991, a Companhia Metros, em Barcelona, Espanha, com direção de Ramón Oller.

Com companhia própria desde 1991, Clara Andermatt criou e produziu numerosas obras, entre as quais “Dançar Cabo Verde” (1994), “Anomalias Magnéticas” (1995), “Cemitério Dos Prazeres” (1996), “Natural” (2005), “Hot Spot” (2006), “E Dançaram Para Sempre” (2007), “Meu Céu” (2008), “Void” (2009) e “Fica no Singelo” (2013).

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