Dança confinada continua a criar para o presente virtual e futuro ao vivo

 

No novo confinamento, coreógrafos e bailarinos por todo o país estão a tentar adaptar a atividade ao mundo virtual, e alguns continuam a criar para “um futuro ao vivo”, em que a dança possa regressar aos palcos.

A coreógrafa Madalena Victorino, que desenvolve projetos artísticos comunitários em Aljezur e Odemira, no Algarve, onde reside há seis anos, abraçou o desafio do confinamento para criar aulas de dança ‘online’ para um novo projeto de inclusão cultural e social que deverá começar ainda em fevereiro.

“Os projetos maiores estão parados porque não podemos trabalhar fisicamente, juntos. Mas acredito que tudo vai melhorar, e que, agora, o que é importante é não parar, não perder a esperança, e continuar a fazer tudo o que são preparações, trabalho de pesquisa em casa, pensamento, estar mais calmo para poder usar o tempo bem, a fazer coisas que habitualmente não fazemos”, disse a coreógrafa, contactada pela agência Lusa.

Naquela região algarvia, Madalena Victorino tem vindo a desenvolver o Projeto “Lavrar o Mar”, no eixo Aljezur/Monchique, de criação artística e programação de dança, teatro, música e novo circo, com uma relação muito forte com as populações e a cultura local.

Também tem desenvolvido, em Odemira, o maior concelho do país, o Projeto “Miragem”, em sétima edição, sobre as artes do espetáculo em meio escolar, aproveitando elementos do currículo, e as preocupações dos professores, para usar as linguagens artísticas em sala de aula.

“Estes projetos maiores estão suspensos [devido à pandemia], sendo que o ‘Miragem’ está numa fase de espera, para adaptação ao ‘online’ nas escolas”, indicou a criadora, acrescentando que concebeu, entretanto, um novo projeto, no qual está a trabalhar agora, também no âmbito escolar, usando uma plataforma digital, para classes com crianças e jovens estrangeiros.

O novo projeto foi criado para “ultrapassar as grandes barreiras” da língua: “Há aqui muitos alunos do Bangladesh, Nepal, Índia, Paquistão e da China, e poucos falam inglês. A dança é uma linguagem universal, uma área de comunicação e de saber que pode ser uma boa alternativa para promover o processo de integração”, salientou.

Madalena Victorino disse existir já uma “abertura das escolas”, devido ao bom funcionamento do projeto “Miragem”, e, neste novo projeto, intitulado “Bowing” (em inglês, significa saudação com o corpo), apoiado pelo programa Partis – Práticas Artísticas para a Inclusão Social (2019-2021) da Fundação Calouste Gulbenkian, as crianças e jovens – de uma população com seis mil migrantes – irão ter acesso a aulas ‘online’ de dança, e oficinas com imagens de arte e música.

“Esta atividade artística ‘online’ é algo que nunca fiz, mas estou a aprender, e os alunos estão muito ávidos, com uma vontade enorme de continuar a dançar em casa, através do diálogo e comunicação da nossa equipa”, apontou, sobre a adaptação à nova realidade do ensino à distância.

Do interior do país, para a grande metrópole que é a capital, onde a bailarina Filipa de Castro, da Companhia Nacional de Bailado (CNB), reside e trabalha, as dificuldades são semelhantes, mas agravadas pela falta de espaço para continuar a manutenção física do corpo a um nível de desempenho profissional muito elevado.

“Temos de fazer uma organização enorme porque eu e o meu marido [também bailarino da CNB, Carlos Pinillos] temos de conciliar o treino físico com o acompanhamento de dois filhos pequenos nas aulas ‘online'”, relatou, acrescentando que não têm espaço em casa para treinar os dois ao mesmo tempo.

A CNB criou aulas diárias ‘online’ de uma hora e meia para o seu elenco de bailarinos, que começam às 10:00 da manhã, e forneceu alguns materiais para o treino físico em casa, como coberturas em linóleo, mas o chão das habitações não é comparável ao dos palcos.

“O linóleo ajuda, mas com apenas três metros quadrados para fazer saltos e amplitude de movimentos, num chão muito duro, é bastante limitativo”, lamentou a bailarina da companhia, em declarações à Lusa.

No primeiro confinamento, em março de 2020, Filipa de Castro sentiu “o chão ruir de repente” perante uma situação completamente inédita: “Fiquei em choque. Precisei de muito tempo para digerir isto. Não saber quando vamos voltar ao palco é muito assustador”, descreveu.

Em casa, o casal de bailarinos enfrenta as mesmas dificuldades de muitos pais. As tarefas são divididas, porque, enquanto um pode assistir à aula da manhã, o outro tem de acompanhar as crianças com as aulas escolares ‘online’.

E o mesmo para as tarefas domésticas, para limpar, arrumar, fazer as compras de alimentos e tratar das refeições.

“É uma correria constante. O trabalho diário quadruplica, e quando chegamos a sexta-feira estamos exaustos”, disse, acrescentando que, em casa, não conseguem ter as seis horas de preparação física que têm nos espaços próprios da CNB.

Para Filipa de Castro e Carlos Pinillos, “é difícil manter o ânimo e a motivação” anteriores, que “passam muito pelo tempo de exploração do corpo no estúdio, os ensaios que seguem uma peça coreográfica que vai ser apresentada, e que fazem evoluir os bailarinos no dia a dia”.

Também o coreógrafo Vasco Wellemkamp, diretor artístico da Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo (CPBC), tem a equipa parada, mas continua a trabalhar na nova versão do espetáculo “Amar Amália”.

Apresentada em antestreia em Coimbra, no centenário do nascimento da diva do fado, em 2020, espera estreá-la este verão no auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

“A companhia não está a trabalhar, porque queremos evitar o risco do contágio”, comentou, em declarações à Lusa, acrescentando que, mesmo assim, terão espetáculos a apresentar ‘online’, nomeadamente “A Substância do Tempo” (2020), na programação cultural virtual da autarquia de Estarreja.

Embora não tenha tido apoios dos concursos da Direção-Geral das Artes, mesmo ficando no grupo dos elegíveis, como outras estruturas, manteve o apoio financeiro da Allianz Portugal, iniciado em 2019, um mecenato que “deu nova vida à companhia”, disse.

O apoio, inicialmente de 50 mil euros, para os três anos, passou para 75 mil euros, segundo o coreógrafo, que durante vinte anos criou peças para o Ballet Gulbenkian, e foi diretor artístico da CNB.

 

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