DGArtes: Estruturas alertam para subfinanciamento dos concursos

Representantes do Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos (Cena-STE), da Plateia – Associação dos Profissionais das Artes Cénicas e da Rede – Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea, foram hoje ouvidos na comissão parlamentar de Cultura, na sequência de requerimentos apresentados pelo PCP e pelo BE sobre os resultados do Programa de Apoio a Projetos – Criação e Edição 2020 e o modelo de apoio às artes, da Direção-Geral das Artes (DGArtes).

Em 2020, a DGArtes apoiou 110 candidaturas, num total de 506 analisadas, no âmbito do Programa de Apoio a Projetos, nas áreas de Criação e Edição, num valor total de cerca de 2,4 milhões de euros. No entanto, as candidaturas apoiadas representam menos de um terço das 388 consideradas elegíveis pelo júri.

Para Sara Barros Leitão, da Plateia, o número reduzido de estruturas apoiadas, face ao número elevado de candidaturas, explica-se com o “facto de haver um financiamento muito baixo em relação ao número de projetos que foram a concurso”.

O financiamento é baixo, “primeiro porque não acompanha o crescimento do tecido cultural no país”. “Além disso, num momento especial de pandemia, numa situação de emergência como esta, em que a maioria dos trabalhadores viram trabalhos cancelados e sem ideias de futuro, juntaram-se em grupos criando projetos para conseguirem desenvolvê-los assim que fosse possível, nomeadamente a partir de novembro. Para nós é normal que haja este número enorme de candidaturas”, afirmou.

O Cena-STE alerta para “a questão de fundo, que é o financiamento destes concursos, [e que] continua a ser um problema”.

“Enquanto não houver um financiamento a sério do Ministério da Cultura, este modelo [de apoio às artes] ou outro serão sempre insuficientes”, afirmou o dirigente sindical Rui Galveias.

Além disso, para o sindicato, “deixar de fora estruturas elegíveis [para apoio] não pode continuar”.

“Falta dar os passos certos, que é um aumento do Orçamento do Estado (OE) para a Cultura, que se reflita depois nos concursos, de forma a que sejam de facto formas de se fazer as estruturas e o serviço público de cultura funcionar em Portugal, e não mais uma divisão de migalhas e uma competição entre pares, que não é correta nem justa na Cultura”, afirmou Rui Galveias.

Também a Rede chamou a atenção para “o problema da suborçamentação que existe” nos concursos da DGArtes.

“A questão da suborçamentação passa também por haver uma chamada de atenção para a necessidade de um aumento exponencial do OE para a Cultura, em particular do apoio às artes, tendo em conta que se parte de uma base de apoios muito pequena”, afirmou Catarina Saraiva.

A dirigente da Rede admite que tem havido aumento das verbas, mas classifica-o de “ridículo, quando se pensa que a base é ridícula relativamente àquilo que é o setor, que se tem qualificado, tem mostrado uma qualidade grande, e menos de 30% é apoiado, quando deveria ser 60% das candidaturas que se apresentam”.

A Rede chamou ainda a atenção para a “inexistência de audiência de interessados, neste concurso [de Programa de Apoio a Projetos nas áreas de Criação e Edição] e noutro anterior [nas áreas de Programação e Desenvolvimento de Públicos]”.

“São mecanismos da Democracia que estão a ser postos em causa. É extremamente importante chamar a atenção [para] estes detalhes, de que não se fala, porque se está a falar de grandes outras coisas”, disse Catarina Saraiva.

Sobre o mesmo assunto, a Plateia lembrou que “nunca em aviso de abertura esteve expresso que não haveria audiência de interessados”.

“Isto para nós é um atentado a qualquer apoio concursal. E achamos que abre aqui um precedente muito perigoso para o bom funcionamento dos concursos públicos”, afirmou Sara Barros Leitão.

O Cena-STE defende que “se devia caminhar – claro que assegurando que as estruturas são apoiadas com seriedade e com responsabilidade e que o uso dos dinheiros públicos é feito corretamente – no sentido de ter um modelo não concursal, no sentido de ter um serviço público de cultura, com mais orquestras, com mais teatros nacionais, com outra dimensão da nossa cultura em Portugal”.

A distribuição territorial das verbas no concurso de Criação e Edição foi também abordada nas audições parlamentares de hoje.

Em relação às 110 candidaturas elegíveis e apoiadas este ano, a grande maioria corresponde a entidades da Área Metropolitana de Lisboa (79), seguindo-se o Norte (23), o Centro (quatro), o Algarve (três) e o Alentejo (uma).

Embora não houvesse “nada que obrigasse a distribuir as verbas pelos territórios”, a Plateia considera “que é muito importante que a DGArtes e o Ministério da Cultura façam o mapeamento do tecido cultural do setor, e é muito fácil fazê-lo porque está tudo informatizado”.

Para com esse mapeamento “perceber quantas estruturas nos últimos dez anos se têm candidatado e que dinheiro é que pedem em cada região”, e assim “se comece a afetar verbas de acordo com as regiões”. “Porque não podemos aceitar que 70% do valor público investido nos projetos fique na Área Metropolitana de Lisboa”, defendeu.

Para Sara Barros Leitão, “estes resultados são um sintoma daquilo que é vivido no país”. “E, portanto, é preciso pensar o país e as políticas culturais no geral, de forma a garantir que os agentes culturais têm condições para fixar e desenvolver o seu trabalho noutras áreas que não apenas Lisboa”, afirmou.

A propósito das assimetrias, a Rede chamou a atenção “sobre o decreto-lei da rede de cineteatros [atualmente em discussão pública]”. “Sendo uma forma de poder combater as assimetrias, não nos parece que exista um diálogo entre o governo central e os governos locais”, disse Catarina Saraiva.

Em relação ao novo modelo de apoio às Artes, também em discussão pública, o Cena-STE mostra-se preocupado “que não haja referência à questão da contratação e dos contratos de trabalho através dos concursos”.

“Ou seja, a garantia de que o acesso aos dinheiros públicos exija que haja contratos de trabalho feitos por estas estruturas. Depois temos um chutar para o lado do estatuto, quando o estatuto [do profissional da Cultura] ainda está longe de estar para o ótimo, está numa fase em que nós entendemos que não será o estatuto que garantirá que haja contratos de trabalho nas estruturas apoiadas pelo Governo e pelo Ministério da Cultura de uma forma geral, não só no modelo de apoio às artes, mas também depois nas outras fundações e afins”, afirmou.

Dos deputados, a Plateia recebeu “bastante preocupação”.

“As situações são conhecidas de toda a gente e são muito fáceis de resolver”, defendeu Sara Barros Leitão, sublinhando que, “sem mudar o financiamento e sem dar um salto expressivo nesse financiamento, não há modelos perfeitos para corrigir um subfinanciamento”.

De acordo com a dirigente da Plateia, “os deputados estavam de acordo de que é necessário dar esse passo em frente”.

O Cena-STE recebeu “consonância dos partidos à esquerda do PS [BE e PCP]”.

“Do lado do PS, tentam defender as posições do Governo, mas com consciência de que é insuficiente”, disse Rui Galveias, partilhando que “aflige” o sindicato “que haja um discurso do PSD de preocupação, quando a situação atual é escolha do Governo de uma forma em geral, não é só dos governos do PS”.

Segundo Catarina Saraiva, da Rede, a deputada do PS Sara Velez “chamou a atenção para o facto de o Ministério da Cultura ter criado mecanismos de apoio durante a pandemia e de existirem também apoios da segurança social” para os profissionais da Cultura.

“Respondi que não sabia, porque, sim, foi criado um mecanismo de apoio durante a pandemia, que basicamente era um concurso de apoio à criação, e a maior parte dos profissionais da Cultura não tem a capacidade de aceder à Segurança Social”, contou.

As audições das três estruturas não puderam ser acompanhadas em direto no ‘site’ do Canal Parlamento, devido a um problema com a transmissão, tendo a Lusa contactado os intervenientes no final.

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