DGArtes. Estruturas pedem que apoio excecional passe a ser regra

As deputadas da comissão parlamentar de Cultura e Comunicação ouviram hoje, em audição ao início da tarde, representantes da Ação Cooperativista, da Associação Portuguesa de Técnicos de Audiovisual, Cinema e Publicidade (APTA), da Associação para as Artes Performativas em Portugal (Performart) e da Associação de Artistas Visuais em Portugal (AAVP), na sequência de um requerimento do Bloco de Esquerda (BE), sobre os resultados do Programa de Apoio a Projetos – Criação e Edição 2020, da DGArtes.

Em 2020, a DGArtes apoiou 110 candidaturas, num total de 506 analisadas, no âmbito do Programa de Apoio a Projetos, nas áreas de Criação e Edição, num valor total de cerca de 2,4 milhões de euros. No entanto, as candidaturas apoiadas representaram menos de um terço das 388 consideradas elegíveis pelo júri.

“Defendemos a atribuição de financiamento a todas as candidaturas elegíveis com carácter duradouro e não como uma medida de exceção anunciada a 14 de janeiro de 2021, como resposta à situação de crise atual. Esta medida adotada excecionalmente, torna evidente a necessidade de fixar um financiamento sério às linhas de Apoio às Artes – através da DGArtes – no futuro, com dotação orçamental não inferior à que neste momento foi adotada”, afirmou Teresa Coutinho, da Ação Cooperativista.

O requerimento do BE foi apresentado antes de, em 14 de janeiro, a ministra da Cultura anunciar que os concursos da DGArtes não irão abrir este ano, adiando o ciclo de concursos para 2022, embora o Governo vá “apoiar entidades artísticas através da DGArtes”. Entre esses apoios, no valor global de 43,4 milhões de euros, conta-se “a atribuição de apoio às 75 entidades elegíveis, não apoiadas, do concurso 2020-2021”, de apoio sustentado, uma medida com um impacto de 12 milhões de euros, nos dois anos.

Também para a Performart, esta solução “não devia restringir-se à situação de pandemia, mas devia passar a ser o regular funcionamento dos concursos”.

“É isto que faz sentido e que está estipulado nas regras do concurso: quem é exigível, deverá receber financiamento”, defendeu Inês Maia desta associação.

Para a representante da Performart, os resultados do concurso das áreas de Criação e Edição mostraram uma situação “verdadeiramente escandalosa”, com “centralização dos apoios na zona de Lisboa e Vale do Tejo”, e com “candidaturas com pontuação excelente a não serem apoiadas”.

Teresa Coutinho da Ação Cooperativista corrobora a ideia: “A discrepância entre a qualidade das candidaturas e a capacidade de respostas é gritante”.

“O orçamento destinado a estes apoios, mesmo tendo sido alvo de reforço de dotação, está gritantemente longe de acompanhar a vitalidade e o crescimento do tecido artístico, nem sequer se vislumbra qualquer capacidade de resposta à excelente qualidade dos projetos submetidos a concurso”, alertou.

Além disso, Teresa Coutinho referiu que “o facto de mais de 70% das candidaturas apoiadas pertencerem à Área Metropolitana de Lisboa, constitui um forte alerta para uma concentração do investimento para a cultura numa zona específica do país”, e denunciou uma preocupante falta de condições estruturais que, cada vez mais, constrangem a fixação de projetos noutros pontos do país, por forma a contribuir para a coesão territorial de oferta cultural”.

Também Pedro Barateiro, da AAVP, alertou para o problema, “muito dramático”, de “não haver alargamento dos apoios ao território”.

Para este artista visual, as medidas adicionais anunciadas recentemente pelo Governo “são insuficientes”.

“A par do problema estrutural, não nos parece que estas medidas venham colmatar uma necessidade que é constante e tem de ser muito mais alargada”, defendeu.

Além de medidas de apoio à DGArtes, no dia 14 de janeiro, a ministra da Cultura anunciou também, entre outros, a criação um programa de apoio ao setor, com uma dotação global de 42 milhões de euros, numa primeira fase, que dará um apoio “universal, não concursal e a fundo perdido”, destinado tanto a entidades e empresas como a pessoas singulares.

O Garantir Cultura, explicou na altura, é a “materialização do programa criado pela lei do Orçamento do Estado 2021 de apoio ao trabalho artístico”.

Teresa Coutinho alertou hoje as deputadas que “as verbas anunciadas não são a fundo perdido, como foi anunciado, destinam-se a programação, criação, eventos, investigação, traduzem-se em honorários para quem está envolvido nestes projetos”.

“Se são a fundo perdido não deveria contemplar a apresentação de programação. Tendo exigências de contrapartidas deixam de ser a fundo perdido”, reforçou Ruy Malheiro, também da Ação Cooperativista.

Já Inês Maia considerou que “o mais premente é a rápida implementação destes apoios”.

“Foram anunciados no dia 14 de janeiro, mas ainda não estão a ser implementados e há ainda uma série de dúvidas quanto à sua implementação”, alertou.

Uma das dúvidas prende-se com o apoio social no valor único de 438,81 euros, referente a um Indexante dos Apoios Sociais (IAS), “universal e atribuível a todos os trabalhadores” independentes, que tenham um código de atividade económica (CAE) ou de IRS (CIRS) no setor da Cultura, também anunciado no dia 14 de janeiro pelo Governo.

Jorge Ferreira da Costa, da APTA, quer ver esclarecido se este apoio é “sujeito a descontos”, porque, caso seja, “na prática não se recebe 438 euros, mas menos do que isso”.

Além disso, a APTA deixou um alerta, também feito pelas outras estruturas que participaram na audição.

“Os apoios de emergência caracterizam-se pela insuficiência de valores, mas há outro problema de abrangência. Estes apoios não chegam a toda a gente”, afirmou Pedro Madeira, lembrando a necessidade de haver um mapeamento do setor por haver trabalhadores das Artes e da Cultura, inscritos com CAE (código de atividade económica) ou CIRS (código do IRS), “que não estão diretamente abrangidos em atividades culturais”.

Ruy Malheiro, da Ação Cooperativista, reforçou o alerta: “Milhares de pessoas ficarão de fora”.

Em relação ao mesmo tema, a Performart lembrou que “está mais do que visto que este confinamento não durará um mês”.

“Os efeitos perversos da paragem de atividade prolongam-se no tempo e é necessário acautelar a situação desses trabalhadores, que dependem do trabalho no setor para viver, reforçando esse apoio”, defendeu Inês Maia.

Embora não fizesse parte da agenda de hoje, o estatuto do profissional da Cultura entrou também na audição, com as estruturas a saudarem a disponibilidade da tutela em ouvi-las. “Resta saber se esse diálogo é bem aproveitado”, afirmou Inês Maia.

As estruturas ouvidas hoje no Parlamento, tal como outras do setor, voltaram a defender a necessidade da criação do estatuto, assim como do reforço das verbas para a Cultura no Orçamento do Estado. Reivindicações feitas e reiteradas em muitas ocasiões, ao longo das últimas décadas.

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