Diretor da CNB quer mais bailarinos em palco, música ao vivo e mecenato

No regresso a uma instituição onde começou, entre 1984 e 1990, para assumir agora a direção, Carlos Prado diz que os três primeiros meses no cargo foram importantes para um conhecimento mútuo do atual corpo artístico, técnico e de produção: “Tem sido uma bela viagem. Assim continue, apesar dos tempos difíceis”, avaliou, em entrevista à agência Lusa.

“Foi um excelente início de carreira, aprendi muito aqui, e, de certa forma, é voltar à ´casa mãe´”, comentou o também ex-primeiro bailarino do Ballet Gulbenkian, que dirigiu a Academia de Dança Contemporânea de Setúbal e prosseguiu uma carreira internacional como assistente coreográfico, tendo trabalhado, entre outros, com o Ballet da Ópera Nacional de Paris, o Bolshoi, o La Scala de Milão, o New York City Ballet e o Ballet Real da Flandres.

Contente com o trabalho da companhia nacional – que completará 45 anos em 2022 – Carlos Prado diz ter aceitado o convite do Ministério da Cultura para suceder a Sofia Campos, em setembro, conhecendo o perfil e as dificuldades de uma companhia nacional que tem vindo a acompanhar ao longo de quatro décadas.

Sobre o orçamento disponível, que preferiu não precisar, disse ter decidido assumir o cargo porque pensou que “podia fazer alguma coisa”, com um financiamento que “nunca é suficiente, e quanto mais houver, mais se pode fazer, mas é importante trabalhar com aquilo que se tem”.

Questionado sobre a situação do mecenato, Carlos Prado indicou que a Fundação EDP continua a ser o mecenas principal da CNB, e, atualmente, o único, mas o novo diretor pretende, futuramente, angariar outros mecenas, “apesar de não haver grande cultura de mecenato em Portugal”.

“Nos Estados Unidos, por exemplo, as grandes companhias [de bailado] vivem praticamente do mecenato”, apontou.

A visão do novo diretor para a CNB passa pela escolha de um repertório diversificado, com espetáculos clássicos e contemporâneos, usando “a riqueza das peças já existentes na casa, levar ao palco o maior número possível de bailarinos” – atualmente 68 -, e também tentar ter mais música ao vivo nos espetáculos.

“Alguns dos bailarinos já não dançam todo o repertório, mas há sempre trabalho que podem fazer, como os papéis de caráter, em certas produções. Há trabalho específico para pessoas que têm uma carreira grande atrás de si, e uma experiência enorme. São pessoas muito válidas que eu espero usar para dançar ou para outras funções importantes para a companhia. Conto com todos os artistas, em diferentes vertentes, projetos educativos, por exemplo”, disse à Lusa o ex-bailarino de 59 anos, nascido em Setúbal.

O diretor diz, contudo, que não pretende vir a aplicar um modelo na casa que agora lidera: “Cada companhia tem as suas especificidades e as suas vicissitudes. Olhei para a companhia que eu conheci quando era bailarino e que tenho acompanhado ao longo de 40 anos. Independentemente dos diretores que cá estiveram, a CNB tem um repertório vastíssimo [para usar], é preciso valorizar os artistas, e trazer repertório novo. Essa é uma das missões, preservar o que tem, e trazer novo trabalho de criação relevante do século XX e XXI, seja na vertente clássica ou mais contemporânea”.

“A CNB tem a obrigação de apresentar tudo isso, e é assim que os bailarinos crescem e amadurecem tecnicamente, fazendo trabalho variado. Esta é a minha ideia para a companhia, usando toda o corpo artístico, com obras que usem muitos intérpretes”, reiterou, sobre a forma como pretende dirigir a casa onde regressa, com “o maior número possível de bailarinos a dançar toda a temporada”.

Deu como exemplo a coreografia “La Sylphide”, considerado o primeiro bailado romântico da história da dança, sobre a qual, em 1836, o coreógrafo dinamarquês Augusto Bournonville criou uma versão que entrou no repertório da CNB em 1980, e que, pontualmente tem regressado ao palco, e volta em 2022, “porque é do repertório da casa, é muito apreciado pelo público, e dá um traquejo importante aos bailarinos” no bailado clássico, “um treino que se tem de ir mantendo”.

As escolhas de Carlos Prado recaem no repertório clássico do século XIX, que a CNB já detém, desde “O Lago dos Cisnes” à “Bela Adormecida”, até ao princípio do século XX, que pretende “trabalhar e apresentar regularmente”.

“Mas um bailarino não evolui se não tiver repertório de coreógrafos relevantes do panorama atual”, ressalvou o novo diretor, cuja visão passa ainda por continuar a usar a própria experiência como assistente de coreógrafos, mantendo-se “muito presente no estúdio”.

Na opinião de Carlos Prado – que coreografou diversas óperas para o Teatro Aberto, Teatro Nacional de São Carlos e Teatro Nacional D. Maria II -, esta poderá vir a ser uma marca importante da atual direção, “numa certa forma de trabalhar todos os dias e de dar ‘feedback’ aos bailarinos”, acompanhando-os em estúdio.

“Não é só com a escolha de repertório, mas ajudar a que seja apresentado ao mais alto nível. Isto é o que me interessa na companhia”, disse, sustentando que a sua experiência como bailarino diz-lhe que os diretores que estavam presentes ajudaram-no no desenvolvimento da carreira.

Prado considera que “é importante passar alguns valores no dia-a-dia, na ética do trabalho”, e que “os bailarinos devem ser, a todo o momento tutelados por uma forma de trabalhar, e é isso que faz uma companhia: um grupo de artistas estarem a trabalhar todos na mesma direção, e ser clara essa direção”.

Sobre a possibilidade de fazer mais encomendas a coreógrafos portugueses para a CNB, diz que tomará essa iniciativa, a começar já por Olga Roriz, que irá criar uma peça para assinalar o centenário do nascimento do escritor José Saramago, a apresentar em junho de 2022.

“Mas também quero ter obras de criadores estrangeiros, porque a companhia tem de se abrir a todas as experiências que possam trazer uma mais-valia aos bailarinos”, sublinhou, defendendo que “quantas mais linguagens experimentam, mais riqueza adquirem e melhor dançam”.

O antigo assistente coreográfico de criadores como Mauro Bigonzetti e Sidi Larbi Cherkaoui, de quem apresentará também uma peça na próxima temporada, a primeira assinada pela nova direção, vai ainda “fazer o possível para que todas as produções tenham música ao vivo porque é toda uma outra experiência que se revela mais intensa para o público”.

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