Florencia Bonelli. "As histórias de amor não têm nacionalidade"

A escritora Florencia Bonelli esteve em Portugal para dar a conhecer o seu novo livro, ‘O Feitiço da Água’. Apesar de este não ser o primeiro livro que a autora argentina publica em Portugal, foi a primeira vez que fez uma apresentação no país.

Com mais de 3,5 milhões de exemplares vendidos por todo o mundo, a escritora de 50 anos conta que esta nova obra tem algo que considera como um ingrediente especial: a astrologia.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, Florencia Bonelli  conta como – tal como acontece a determinado momento desta nova história – destruiu os preconceitos que tinha em relação à astrologia.

Ouço sempre pessoas que dizem: “Só leio quando vou de férias”. Quais férias, nem meias férias. Não posso ir dormir sem ler

Como foi o primeiro impacto com o público português?

Foi realmente muito bonito. Publico em Portugal há poucos anos e nunca tinha vindo cá – e, por isso, estava à espera de menos pessoas. Algumas leitoras disseram-me que fizeram três horas de viagem para estar na apresentação, e outras três para voltar às suas casas. Valorizei muitíssimo. Estes momentos não são fáceis de acontecer, ainda para mais quando uma escritora é estrangeira. Estiveram presentes também algumas leitoras argentinas que aqui vivem, mas as restantes eram todas portuguesas – o que me deixou bastante feliz.

O que acha que vai ‘prender’ o público português à sua escrita?

Este último livro, ‘O Feitiço da Água’, é um livro bastante especial. Por normal, escrevo romances históricos. Este, em particular, pertence a uma saga que tem um ingrediente particular: a astrologia. Eu acho que as histórias de amor não têm nacionalidade. Não importa se o leitor é português, chinês ou egípcio. O amor é o que atravessa toda a humanidade. [Por essa razão] Não falo para o leitor português. Falo para o leitor – ao leitor que, como eu, precisa de ler porque a leitura o faz feliz. As minhas histórias de amor favoritas: ‘Amor bajo el espino blanco’ [Amor debaixo de um espinho branco, tradução livre], de Ai Mi, passa-se na China; e ‘O Cavaleiro de Bronze’, de Paullina Simons, decorre na Rússia. Para mim a leitura é uma forma de felicidade – e todos os seres humanos gostam de ser felizes – sejam chineses, portugueses ou argentinos.

E sempre foi?

Desde muito pequena. O meu pai foi quem me incentivou a ler. Primeiro, comprou-me livros para crianças, com ilustrações, depois começou a comprar-me livros mais complexos. O meu primeiro livro ‘para adultos’, pensava eu, foi ‘O Coração’, do escritor italiano Edmondo de Amiscis. Até aí sempre tinha lido livros mais pequenos. Desde esse momento, pelo menos com dez anos, os livros começaram a ser parte da minha vida. Ouço sempre pessoas que dizem: “Só leio quando vou de férias”. E eu digo que não posso viver sem ler. Quais férias, nem meias férias. Não posso ir dormir sem ler.

Romances históricos ou de outras temáticas?

Sou muito eclética. Até porque dedico muito tempo a ler para as minhas investigações. Por isso, posso ler um livro sobre guerra, o uso de armas, vícios, astrologias, entre outros temas.  E quando quero ler para desfrutar escolho uma novela romântica. É o meu tema favorito, mas também gosto de policiais. 

Qual é de que menos gosta?

Não gosto tanto do fantástico. Sou demasiado realista. Gosto de histórias que possam acontecer a qualquer um – e, por isso, também eu uso as histórias reais e, dentro de um evento real, coloco os meus protagonistas, que são ficcionados.

Começas a ser mais paciente e mais tolerante. Se a astrologia não te serve para seres assim, não te serve para nada

 

À semelhança de Brenda, a personagem principal da história, também começou por estudar Ciências Económicas. Inspirou-se em mais alguma das suas características para construir a personagem?

É a única coisa que tenho em comum com a Brenda. As duas estudámos Ciências Económicas e as duas abandonámos a área – ela, para se dedicar à música, que ama, que é algo muito pisciano, e eu para me dedicar à escrita. Somos opostas – ela e do signo de Peixes, que vive no mundo dos sonhos, e eu sou Touro, mais realista. Mas gosto de encarnar um personagem, assim calçar os sapatos de uma pessoa que é o oposto de mim – isso é uma ajuda para ser mais compreensiva. De repente, começas a entender por que razão as pessoas são tão distintas, porque agem como agem.

O mesmo se aplica na astrologia? “Conhecer a mim mesma e ao meu destino. E conhecer os outros para poder compreendê-los”, diz Brenda. Foi por isso que se começou a interessar por astrologia?

Primeiro, pensei em estudar astrologia para me conhecer a mim mesma – para perceber a minha complexidade. Depois, apercebi-me de que podia estudar a complexidade de todos e, inevitavelmente, tornei-me mais compreensiva. Essa é uma grande dádiva que a astrologia traz. Começas a ser mais paciente e mais tolerante. Se a astrologia não te serve para seres assim, não te serve para nada. É puro conhecimento não aplicável.

Sempre esteve desperta para este mundo ou houve algum momento chave?

Eu não sabia que a astrologia era uma ciência. Para mim era coisa de ignorantes, supersticiosos. Um dia, uma amiga emprestou-me um livro de astrologia. Aceitei-o por cortesia, mas comecei a ler quando cheguei a casa. O livro era ‘Os signos do Zodíaco’, de Linda Goodman. É como a bíblia da astrologia. Comecei a ler sobre o signo de virgem, que é o signo do meu marido. Desde a primeira linha até ao última era como se o estivesse a descrever, foi uma coisa impactante. “Aqui há uma verdade. Não é casual”, pensei. Aí começou o meu caminho na astrologia. Costumamos dizer na Argentina que este é um caminho de ida, porque já não há regresso.

Afinal, são duas as semelhanças que têm com a personagem principal: também Brenda não acreditava em astrologia.

Pode não chegar à vida de todos, mas, quando chega, surpreende-te – como um choque. Começas a perceber que há algo nesta dança, neste baile dos planetas, que nos vai modelando e a todos. Mas, durante muitos anos, a astrologia foi uma ciência muito bastardeada, humilhada e desprezada.

Era muito arriscado [deixar emprego para ser escritora]  porque tinha segurança. Era quase como lançar-me num abismo. E foi o que fiz, com muito apoio

E quanto à literatura? Recordo um episódio que ocorreu no  Festival Internacional de Literatura de Buenos Aires (FILBA), em 2018. O poeta Estaban Feune de Colombi atribuiu um ‘nobel’ da Literatura ao escritor argentino Jorge Luis Borges, que nunca foi distinguido pela academia sueca. Alguma vez se sentiu subvalorizada como escritora?

Jorge Luis Borges é o Deus, é genial. Não era talentoso, era genial. Era o vosso Saramago, era Pessoa. Quanto a mim, seria muito ingrata se me sentisse subvalorizada – a vida, o meu país e as minhas leitoras deram-me muito.

Decidiu mudar de carreira quando leu, no final dos anos 90, ‘The Sheik’, de Edith Hull. Como aconteceu esta mudança?

Li o livro com cerca de 27 anos comecei a escrever enquanto trabalhava numa empresa. Um ano depois, disse ao meu marido: “Só quero escrever. Quero dedicar-me à escrita pessoalmente”. E ele disse-me: “Deixa o teu trabalho”. Era muito arriscado porque tinha segurança. Era quase como lançar-me num abismo. E foi o que fiz, com muito apoio. Mas foram muitos anos até poder viver disto.

Lançou-se no abismo, mas voou. Por isso nunca houve arrependimentos?

Não. Apesar dos estudos e dos cinco anos em que trabalhei em Ciências Económicas, não sinto sequer que sou uma profissional da área. Essa parte nunca a vivi. Vivi só para esta parte [em que é escritora].

Apesar de não haver nenhum arrependimento em sair da área, alguma vez pensou em desistir?

Desistir de escrever? Nunca. Quando pensei que, por não estar a ganhar o suficiente, teria que voltar a trabalhar na área económica – sempre sem nunca deixar de escrever -publiquei o livro Indias Blancas , que foi um grande êxito.

Depois de uma carreira de 23 anos, o que falta alcançar?

O que quero é escrever um livro que seja sempre melhor que o anterior. É a única coisa que me interessa – escrever um livro que seja novidade, original e que agarre o leitor. A ‘page-turner book’, como dizem os norte-americanos É esse o grande desafio.

Se pudesse escolher um livro para ler durante o resto da vida, qual seria?

O ‘Cavaleiro de Bronze’, de Paullina Simons. Passa-se durante a Batalha de Leninegrado, durante a Segunda Guerra Mundial, quando se passou o mais cruel dos invernos e não havia nada para comer – no meio da situação, Paullina escreve uma história de amor. A autora concentra-se num evento real e lá coloca duas personagens maravilhosas, Alexander e Tatiana. Ela fez o mesmo que eu faço. Há um ponto em comum.

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