Gorillaz encerram Primavera com concerto histórico no Porto

Mais de dois anos depois do país, e do mundo, terem fechado as portas aos festivais, a música de verão voltou em grande. O NOS Primavera Sound encheu quase todos os dias o Parque da Cidade do Porto, entre os dias 9 e 11 de junho, com os Gorillaz a encerrarem a 9.ª edição do certame (com um concerto que tentaremos descrever mais tarde).

Em três dias de música, houve festa, dança, ‘rockalhada’ da antiga e lágrimas de muita felicidade e alívio.

Recordamos, dia a dia, os principais momentos e concertos do primeiro festival do verão de 2022.

Nick Cave volta a marcar o coração de um festival cada vez mais seu

O primeiro dia do Primavera Sound era esperado com ansiedade, muito por causa do regresso de Nick Cave. Em 2018, o músico australiano deu um concerto que ficou na memória dos palcos nacionais, debaixo de uma intensa chuva que se confundiu com as lágrimas do público.

Aos 64 anos, Nick Cave continua a ter uma presença de palco fascinante© Hugo Lima

Na quinta-feira, ao longo de mais de duas horas, o cantor andou, correu e pregou pelo palco principal. Foi uma performance menos tenebrosa do que há quatro anos, mas mais mexida, passando pelas músicas mais conhecidas (como ‘Into My Arms’ ou ‘Red Right Hand’) e por temas mais recentes, assinalando-se assim mais uma visita memorável de Nick Cave e os Bad Seeds ao Porto. 

Depois, foi a vez dos Tame Impala trazerem o seu elaborado espetáculo de luzes ao anfiteatro. O projeto de Kevin Parker focou-se em tocar os grandes êxitos, mas o destaque, mais do que para a música, vai para a intensa experiência visual que se proporcionou, pintando-se o céu do Porto e Matosinhos como se de uma tela se tratasse.

Os Tame Impala encheram de luz o Parque da Cidade do Porto© Hugo Lima

Nos outros palcos, os Cigarettes After Sex, do americano Greg Gonzalez – entrevistado pelo Notícias ao Minuto antes do concerto – trouxeram toda a sua melancolia e romance ao palco Cupra.

A borrar a pintura esteve Sky Ferreira. Num momento que deixou o público confuso e preocupado, Sky Ferreira chegou 20 minutos atrasada, tocou apenas seis temas e saiu, de rompante, sem justificação.

Gerações de pais e filhos uniram-se para acolher os Pavement

A segunda noite foi mais à moda antiga, entre os vários estilos musicais apresentados. Os Slowdive deram um dos melhores concertos de final de tarde do festival, para um público sentado na relva, a apreciar a chegada do ‘shoegaze’ – o subestilo de ‘indie rock’ que o grupo inglês personifica desde 1989.

Mas o foco da sexta-feira vai para os dois grupos clássicos que encabeçaram o dia 10. Beck voltou aos palcos portugueses para tocar alguns dos seus êxitos, como ‘Loser’ e ‘Devil’s Haircut’, músicas que acabaram por ser pouco para entusiasmar uma audiência mais morna.

Os Pavement fecharam o palco principal, estreando-se em grande em Portugal. A histórica banda que protagonizou, e liderou, o crescimento da música ‘indie’ nos anos 90, suspendeu a atividade em 1999 e manteve-se calada até 2010, quando voltou para alguns concertos. Doze anos depois, voltaram e atravessaram o Atlântico para os dois ‘Primaveras’ – de Barcelona e do Porto, onde pararam cinco dias para visitar a cidade.

O longo concerto acabou por ser intensamente vivido pelos festivaleiros mais velhos, que conheceram a banda na sua adolescência, mas o ‘gap’ geracional não estragou uma memorável performance.

Foi também uma noite de nota nos palcos secundários. No palco Cupra, Rina Sawayama marcou o final de tarde, com o seu ritmo e dança contagiantes, e foi uma das surpresas de muitos que não conheciam o trabalho da nipo-americana, muito focado na luta da comunidade LGBTQ+ e no racismo contra pessoas asiáticas nos EUA; Arnaldo Antunes (conhecido pelo seu trabalho no mítico conjunto brasileiro Tribalistas) acabou por atuar perante uma plateia mais reduzida, mas entusiasmada com a representação do rock brasileiro.

Finalmente, no palco Super Bock, o incidente mais curioso da noite foi o impressionante ‘mosh’ em 100 Gecs, tão intenso que o público deitou abaixo uma grade de segurança, ao som de uma música anti-natalícia, ‘Sympathy 4 the Grinch’..

Damon Albarn escreve o seu nome e o dos Gorillaz na história dos palcos portugueses

E eis que chega a altura de falarmos de Gorillaz. Cada uma das dezenas de milhares de pessoas no recinto tinha alguma expectativa acerca do que iria acontecer, mas ninguém estava verdadeiramente preparado para o enorme concerto que o projeto liderado por Damon Albarn deu no Porto.

Durante uma hora e meia, os Gorillaz não pararam. E o público também não. Albarn, que se tornou num dos mais influentes músicos dos anos 2000, através também do seu trabalho com os Blur, manuseou o público a seu bel-prazer. Também teve uma boa ajuda: ao longo do espetáculo, subiram a palco para cantar com banda: Beck, que atuara no dia anterior; o rapper norte-americano Bootie Brown; a impressionante Little Simz (de quem falaremos mais à frente, por ter atuado no mesmo dia); a cantora costa-marfinense Fatoumata Diawara; e Kelvin Mercer (conhecido como Pos, dos De La Soul), que fez o público expressar bem alto os seus sentimentos no ‘hit’ ‘Feel Good Inc.’, talvez a música mais conhecida dos Gorillaz.

Damon Albarn foi várias vezes à primeira fila pedir a colaboração dos fãs© © Hugo Lima

Há concertos que ficam para a história de cada festival – já aqui falamos de Nick Cave em 2018. Os Gorillaz não apareciam em Portugal desde 2005, quando se fizeram representar através dos seus característicos cartoons, 2D e Murdoc, nos MTV European Music Awards em Lisboa. Quando surgiram, os britânicos quebraram os moldes na MTV no início do século; agora, tantos anos depois, o seu ‘punk rock’ deixa uma marca indelével na cidade do Porto.

Os Interpol foram os segundos cabeças-de-cartaz do dia, mas o concerto do grupo de Paul Banks continua a não pegar nos palcos de festivais e o repertório, repetitivo e ultrapassado, caiu em saco roto para um público desinteressado.

O dia começou bem quando, às 17h, o gaiense David Bruno atravessou o Douro e apareceu com os seus amigos, António Bandeiras e Marquito, para dar uma aula de portugalidade e de amor às coisas boas de Vila Nova de Gaia. O ‘groove’ de David Bruno, cujas letras embelezam as festas de aldeia e as tradições portuguesas a que estamos habituados, foi o mote para um dia com muita dança.

David Bruno, à esquerda, acompanhado por Marco ‘Marquito’ Duarte© Hugo Lima

Pouco depois, os Khruangbin banharam o pôr do sol no palco Cubra com vários êxitos, interpretados no seu ‘surf rock’: além de trautearem os originais da banda, as milhares de pessoas ouviram um apanhado de músicas de David Bowie, Ice Cube, e o clássico som de ‘Gypsy Woman’, o icónico ‘hit’ da música ‘dance’ de Crystal Waters.

Este ano, o hip-hop foi bem representado por Little Simz, que apresentou o seu conceituado novo álbum, ‘I Might Be Introvert’. Laureado por muitos como um dos melhores concertos do festival, Little Simz, nome artístico da britânica Simbiatu Abisola Abiola Ajikawo, encheu a arena do palco Cubra com o seu hip-hop que simboliza a zona norte de Londres. E, no palco Super Bock, a drag queen brasileira e ícone LGBTQ+ Pabllo Vittar ultrapassou alguns problemas técnicos e pôs a dançar aquela que foi a plateia mais diversificada e menos heteronormativa dos três dias.

Foi com a chave de ouro dos Gorillaz que se fechou mais uma edição histórica do Primavera Sound – uma edição que, segundo a organização, foi a maior de sempre, com mais de 100 mil espectadores ao longo dos três dias. Não são conhecidas ainda as datas para 2023 mas, se seguida a tradição de se realizar o festival no segundo fim de semana de junho, o Parque da Cidade do Porto deverá acolher a redonda 10.ª edição nos dias 8, 9 e 10 de junho do próximo ano.

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