Joias da Arte Deco Berardo ganham museu em casa histórica de Lisboa

O nascimento do novo museu, B-MAD, acontece na zona de Alcântara, com as joias de Arte Deco de mais uma coleção do empresário madeirense, que passarão a ser exibidas em permanência, reunindo mestres internacionais e criadores portugueses que se destacaram no século XIX e no início do século XX.

O edifício lisboeta, mandado construir na primeira metade do século XVIII, escolhido pelo colecionador – no número 28 da Rua 1.º de Maio – tem a sua história ligada ao médico neurologista António Flores, depois de ter estado anteriormente na posse do Marquês de Abrantes, e de ter sido alvo de várias adaptações, pelos conceituados arquitetos Raul Lino e Carlos Ramos.

“Vai ser um equipamento fundamental para olhar melhor e pensar a Art Deco da cidade de Lisboa, mas também do país”, sublinhou o coordenador das coleções Berardo, Álvaro Silva, durante uma visita guiada à agência Lusa ao museu que tem inauguração prevista para sexta-feira e abertura ao público no sábado.

Para a abertura, a equipa curatorial fez questão de “representar não só os mestres consagrados internacionais, mas também de Portugal, com o trabalho da Ourivesaria Reis, do Porto, e os artistas Ernesto Canto da Maia, Mário Elói, e Rafael Bordalo Pinheiro, como introdutor do estilo Arts & Crafts no país, e um precursor da Arte Nova, que pode trazer um pensamento crítico atual a estas artes”, considerou o responsável.

Ao entrar no museu, depois de pisar mosaicos de Estremoz, e de subir a escadaria original do edifício adaptado, que já apresentava vários elementos de Arte Deco, o visitante terá acesso aos dois pisos onde foram instaladas as peças da “totalidade da coleção Arte Nova [do colecionador Berardo] e uma grande parte da coleção Art Deco”.

“Sendo a primeira exposição, pudemos escolher as joias da coleção para estarem aqui em evidência, seguramente mais de cinquenta por cento da coleção, mas também de outros universos, como a coleção de azulejaria, fazendo a relação com o Museu Berardo de Estremoz, onde estão 800 anos da história desta arte em Portugal, os desenhos da Ourivesaria Reis, do Porto, que são peças excecionais no design português, ou o tropicalismo inspirado em tribos do Brasil”, apontou Álvaro Silva à Lusa.

No primeiro piso estão as Arts & Crafts do século XIX, a Arte Nova que se lhe seguiu – expressão de desejo de algo totalmente novo nas artes -, e a Arte Deco, desde 1920 até 1939, num estilo que se destacou entre as guerras, e que teve grande projeção a partir da grande Exposição Internacional de Paris, onde o estilo se consagra.

O Art Deco “foi um estilo total” que abarcou as artes visuais, arquitetura e design internacional e começou a entrar em declínio entre 1935 e 1939, depois de ter influenciado fortemente a moda, o cinema, a arquitetura, o design de interiores, entre outras áreas, com o uso de formas geométricas, ornamentos e desenho abstrato.

Inspiradas na fauna e flora e na figura humana, as peças de Arte Nova fazem sobressair, sobretudo no mobiliário, os talentos dos artesãos, visíveis em mesas embutidas, armários, cadeiras e camas em que os metais e as madeiras exóticas se fundem.

Em contraponto, a Arte Deco introduziu um estilo muito mais depurado e sóbrio, mas inicialmente muito ligado ao luxo, com os trabalhos lacados, transmitidos aos europeus por mestres japoneses, peças que o museu também exibe ao longo de várias salas, algumas delas descritivas de como seria um quarto ou uma sala de jantar da época, nas casas das elites.

São esses ambientes que o museu procura reproduzir com peças de “grandes mestres e dos seus fiéis herdeiros”, como Jacques-Émile Ruhlmann, Alfred Porteneuve, Jean-Michel Frank, Jacques Adnet, Leleu, Sornay, Dufrêne, Follot, Jallot, Majorelle, Kiss, Lalique, Brant, Puiforcat e Perzel, nas componentes da arte decorativa – móveis, trabalhos em ferro, candeeiros, objetos de vidro, cerâmica, arte da mesa e pratas — associadas à pintura, escultura, desenho, moda e joalharia, num mostruário dos estilos Arte Nova e Arte Deco.

Álvaro Silva, numa visita guiada à Lusa, sublinhou ainda a “forte presença feminina, não só a mulher representada no objeto de arte, mas também como artista e produtora artística, liberalizada, emancipada, que granjeia carreira e fama no universo das artes, numa lição muito válida entre guerras que se pode retirar ao visitar esta coleção”.

“As indústrias perceberam que podiam convidar artistas para criarem peças especiais, e que distinguissem uma certa marca na comercialização”, apontou o coordenador das coleções Berardo sobre a importância dos criadores na conceção de obras originais.

O último proprietário do edifício, o médico e investigador António Flores (1883-1957), é homenageado na divisão da casa onde era o seu quarto, e que ainda contém o roupeiro original. Numa sala ao lado, também foi reconstituído o seu escritório.

António Flores convidou o seu contemporâneo Raul Lino (1879-1974) para fazer a ampliação do edifício, e, duas décadas mais tarde, fez o mesmo convite ao também arquiteto Carlos Ramos (1897-1969) para desenhar algumas peças de mobiliário que ali se encontram.

Da coleção fazem ainda parte os desenhos originais de Ruhlmann, da Casa de Serralves, no Porto, ícone da arquitetura civil Deco, expostos no novo museu, juntamente com parte dos mais de 5.000 desenhos originais de pratas da Ourivesaria Reis e Filhos, também do Porto, da qual se conserva ainda todo o recheio de mobiliário, no estilo Arte Nova.

A exposição inaugural do B-MAD é comissariada por Márcio Alves Roiter, fundador e presidente do Instituto Art Déco Brasil, no Rio de Janeiro, e por Emmanuel Bréon, especialista em arte dos anos 1920 e 1930, e antigo diretor do Musée des Années 30, em Paris.

Questionado sobre o funcionamento futuro do museu, Álvaro Silva indicou à Lusa que as visitas serão organizadas exclusivamente por marcação, e guiadas em grupos, adaptadas às necessidades do público, “de forma a serem o mais personalizadas possível”, e haverá uma programação cultural no espaço da entrada e no jardim, assim que for possível, no atual quadro pandémico.

Até ao final do mês de maio, as entradas serão gratuitas, e ainda não está definido o futuro preço do bilhete do museu cujo investimento global a organização se escusou a disponibilizar à Lusa, mas confirmou que o edifício faz parte do património do colecionador e empresário madeirense, que detém museus em Belém, Estremoz, Anadia e Bombarral.

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