Livro reúne bilhetes de concertos em Portugal dos últimos 60 anos

 

Guardar os bilhetes dos concertos a que assiste é um hábito que o radialista Henrique Amaro tem “desde miúdo”. Num dos dias em que revisitava a sua coleção, lembrou-se de fazer um livro.

“Pesquisei e vi que não havia nada em Portugal nem lá fora. Cedo percebi que não tinha graça nenhuma fazer com os meus bilhetes, então comecei a perguntar a amigos se tinham bilhetes guardados e a coisa de um momento para o outro ganhou outro volume”, recordou Henrique Amaro, em declarações à Lusa.

A ideia era criar “um livro comunitário”: “O amigo chama o amigo, e de repente estou a contactar pessoas que ainda hoje não conheço pessoalmente, que encontro na internet — a quererem vender os bilhetes, ou um amigo chama-me a atenção de outro que também tem esse hábito”.

A “construção” do livro acabou por ser feita ao longo dos últimos quatro anos e o resultado foi recentemente editado pela Tinta da China.

O “ponto principal” era “ir em busca de algo que irremediavelmente está perdido, que é o valor gráfico”. Por isso, Henrique Amaro decidiu retirar da equação “os chamados bilhetes genéricos, que hoje se vendem e não têm nenhuma associação gráfica”: “sejam os The National, os AC/DC ou os Guns and Roses, os bilhetes são iguais”.

Depois disso, o radialista selecionou bilhetes tendo em conta o seu “valor gráfico” e “alguma pluralidade estética”.

“Só quando tenho à minha frente um universo de 700 bilhetes, que foram os que consegui arranjar, é que começo a conceptualizar”, recordou.

Em termos de espaços onde os concertos decorreram, há desde estádios ao Castelo do Sabugal, passando por locais que já deixaram de acolher espetáculos como o Rock Rendez Vous e o Ritz Clube, em Lisboa, ou o Pavilhão Infante Sagres, no Porto.

Em termos musicais, os bilhetes são de “vários universos, do punk ao jazz”. “E está lá também o frei Hermano da Câmara, com a apresentação do álbum ‘O Nazareno’ no Coliseu dos Recreios [em 1986], que foi um disco muito marcante, e o Pavarotti”, em 1991 também no Coliseu dos Recreios, em Lisboa.

Em relação às bandas e artistas internacionais, Henrique Amaro tentou “ter sempre a primeira apresentação em Portugal em nome próprio”. É por isso que o bilhete do concerto dos Sonic Youth no Campo Pequeno, em 1993, “que não é esteticamente bonito” lá está e não de outros espetáculos que a banda deu depois em Portugal.

“Há vários nomes que vieram cá várias vezes e eu fui sempre em busca do primeiro”, sublinhou.

O mesmo não aconteceu com os artistas nacionais. No livro há vários bilhetes de concertos dos Xutos & Pontapés, Mão Morta ou Pop Dell’Arte, e está lá também o bilhete do primeiro concerto no Coliseu dos Recreios de uma banda rock portuguesa, os Tantra, que esgotou a sala em 1978.

“Nas décadas de 1980/90, há uma primeira conquista dos artistas nacionais que é o Coliseu, mas acima do Coliseu havia o Dramático de Cascais. O Rui Veloso consegue isso num espaço de seis meses. Tendo os dois bilhetes, coloquei os dois”, explicou.

Henrique Amaro admite haver bilhetes “que ficaram por encontrar”, como o do concerto da Sun Ra Arkestra na Gulbenkian, em Lisboa, em 1985, o da 1.ª edição do Cascais Jazz, em 1971, “onde esteve o Miles Davis”, e algum de António Variações, ou outros que decidiu não colocar, como o do concerto de Laurie Anderson, “que era um genérico”.

No livro estão também alguns bilhetes de espetáculos que não chegaram a acontecer, como o de Joe Cocker em Lisboa, em 1980, o de Lou Reed no Porto, no mesmo ano, ou do festival Artlantico, “o primeiro pensado para a zona de Lisboa”, em setembro de 1987.

Além de concertos individuais, “Eu Estive Lá!” tem também bilhetes de festivais, como Vilar de Mouros, Sudoeste ou SBSR.

O livro é composto sobretudo por imagens dos bilhetes, aos quais Henrique Amaro tentou “fugir de anexar histórias”, porque “a reconstituição de memória é uma coisa muito frágil e a avaliação que uma pessoa faz de um concerto é uma coisa muto individual, muito pessoal”.

“Quis que o livro fosse em busca das memórias, que não fosse um livro onde alguém escreve pelas memórias dos outros. O que eu gosto no livro é as pessoas olharem para o bilhete e reconstruírem elas a sua relação com ele. O livro vai em busca dessa relação individual, de cada um”, disse.

Dividido em quatro capítulos, 1960/70, 1980, 1990 e 2000/2020, “Eu Estive Lá!” contém cinco textos, um inicial, da autoria de Henrique Amaro, e um para cada capítulo, da autoria de “testemunhas oculares de espetáculos nessas décadas”: Luís Pinheiro de Almeida, Ana Cristina Ferrão, Pedro Fradique e Isilda Sanches, respetivamente.

O bilhete mais antigo é de um concerto dos The Searchers no Teatro Monumental, em Lisboa, em 02 de novembro de 1965, que custou 50 escudos. O mais recente, da iniciativa Have Fun with God, com Ricardo Jacinto, Ry Vuh, e HHY & The Macumbas, que aconteceu em 01 de abril deste ano no Círculo Católico de Operários do Porto (CCOP) e custava sete euros em venda antecipada e dez euros no próprio dia.

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