Mala Voadora reflete sobre realidade e ficção com ‘inFausto’ no FITEI

 

Inserido na programação do Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), a decorrer até 16 de maio no Porto e noutras cidades nortenhas, “inFausto” é apresentado pelas 18:00 e 20:00 de segunda e terça-feira, dias 03 e 04 de maio.

Jorge Andrade trabalhou por cima de uma maquete de “Fausto”, uma criação de 2018, para o 25.º aniversário do Centro Cultural de Belém (CCB), que o ator, encenador, cofundador e diretor artístico da companhia escreveu e dirigiu, e é sobre esse espetáculo, para 100 pessoas em palco, a maior parte figurantes, que se constrói esta estreia, com texto do brasileiro Alex Cassal.

“Só quero dizer que também existe a possibilidade de toda esta história que contei ser somente uma história. É bom deixar a dúvida de se isto é tudo uma história ou não. (…) Mas há bastante de realidade”, avisa, à agência Lusa, Jorge Andrade, que assume a direção e a interpretação do espetáculo.

A partir das palavras de Alex Cassal, “inFausto” trabalha na linha entre a verdade e a ficção para encenar um monólogo que liga Lisboa e o CCB, a este espetáculo no Porto, via uma ‘troll farm’ na Ucrânia, isto é, uma empresa, ou um grupo de indivíduos, que se dedicam a publicar comentários nas redes sociais e em ‘sites’ de notícias.

Esse espetáculo, “Fausto”, que tinha como objetivo criar “uma obra-prima que absorvia todo um Orçamento doe Estado”, e que acabou a encenar uma fotografia do país, com as cedências a instituições, o alargar de quem ‘cabe’ na criação, acabou “por se revelar demasiado caótico para celebrar a efeméride” que vivia o CCB.

A última récita, de resto, acabou por ser cancelada, na altura, devido a uma greve da equipa técnica do CCB, em dezembro de 2018, dando origem a este monólogo, cuja apresentação, tanto na sinopse, como dito por Jorge Andrade, mantém a dúvida entre o que é realidade e o que é ficção.

“Por razões relacionadas com este, podemos chamar-lhe fracasso da minha parte, porque não cumpri o propósito [de fazer uma peça celebratória dos 25 anos daquele espaço], acabei por sair do país e acabei por ir para a Ucrânia, também por motivos pessoais. Queria também afastar-me de todo aquele processo. Precisava de alguma distância para voltar a ter alguma consciência do que se tinha passado”, explica Jorge Andrade, traçando o espetáculo.

Com um processo em cima e as contas congeladas, esta figura fica ‘presa’ na Ucrânia, em que trabalhou numa ‘troll farm’, valendo-se “um pouco do talento enquanto dramaturgo”, para criar perfis falsos e servir ideais, mas o dinheiro “era pouquíssimo”.

Volta a Portugal num voo de repatriamento relacionado com a pandemia da covid-19, mas o acesso à ‘deep web’ permite-lhe expor, agora em palco, uma “conspiração de que a Mala Voadora foi vítima e que passou ao lado”.

“Também me apercebi de como estas ‘troll farms’ – no meu caso foi em Kiev num prédio residencial -, existem por todo o mundo. (…) E como está a existir cada vez mais uma substituição da realidade, como se tudo fosse uma realidade que se estende em todas as direções. (…) Um dia acordaremos e não existirá ficção, será tudo uma imensa realidade, o que me deixa a questão do que vou fazer no futuro”, acrescenta.

O “fascínio” de Alex Cassal por filmes de ficção científica ajudou ao convite para este “desvario entre arte, conspiração e ‘fake news'”. “Esta conspiração de um grupo de pessoas disputar connosco, neste momento, este lugar da invenção de mundos”, prossegue.

“Nas ‘troll farms’, inventam mundos e convencem o nosso público – esperemos que ainda não o público nicho, mas grande parte da população -, de que os mundos que inventam é a realidade. E quando tudo passa a ser realidade, onde fica o lugar para a ficção, para a arte?”, questiona.

De um espetáculo para 100 pessoas, reduz-se “ao que tem de essencial” para continuar a trabalhar a ideia de como cada um pode viver “numa maquete hiper detalhada, como cobaia de experiências baseadas na desconfiança e medo”.

E baseada numa realidade que é vendida, não como “positiva, perene ou festiva”, mas “no medo, na opressão e desconfiança”, próxima do imaginário distópico do realizador norte-americano John Carpenter, exemplificou.

Assim, reduz-se o espetáculo, e o teatro, ao que tem de essencial. “Estou eu numa sala, com 25 pessoas por sessão, na Mala Voadora. É o ambiente ideal para este espetáculo. Como há pessoas espalhadas em ‘troll farms’ pelo mundo, queria fazer ali um grupo de conspiração e tentar rebater esta ficção que nos é vendida como realidade”, explica.

Depois do FITEI, o espetáculo seguirá para o Luxemburgo, nos dias 20 e 21 deste mês, onde a Mala Voadora estreará, em 2022, uma coprodução com a Capital Europeia da Cultura de Esch.

“inFausto”, no entanto, também passará por Guarda, Lisboa e outras localidades, até pela maleabilidade do projeto.

Na programação do FITEI, também o Teatro do Noroeste se debruça sobre a desinformação e as ‘fake news’, com “Rottweiler”, a apresentar no dia 06 de maio, quinta-feira, no Teatro Municipal Rivoli, no Porto.

Com dramaturgia e encenação de Ricardo Simões, a partir de um texto do espanhol Guillermo Heras, “Rottweiler” parte, segundo a sinopse, de uma pergunta: “Afinal, para que serve uma notícia verdadeira?”.

“O próprio termo ‘mentira’ tornou-se politicamente incorreto, mediaticamente proibido, interpessoalmente deselegante. Agora chama-se ‘pós-verdade’. E uma verdade que é pós, pode ser qualquer coisa. Até uma mentira embrulhada em papel de verdade. Difundida até ao infinito. Até à náusea. Até um rottweiler”, pode ler-se na apresentação.

A peça, para maiores de 14 anos, é apresentada pelas 19:30 de quinta-feira, e tem interpretação de Alexandre Calçada e Tiago Fernandes. Os bilhetes custam nove euros.

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