Manuscrito de ‘A hora da estrela’ com anotações de Lispector publicado

O livro é publicado pela SP Edições, uma editora de origem francesa (SP Books, na versão original), com quase dez anos, especializada na reprodução de manuscritos de grandes obras da literatura, em edições limitadas e numeradas.

No seu catálogo, conta já com os manuscritos de “Alice no país das maravilhas”, de Lewis Carroll, “Jane Eyre”, de Charlotte Brontë, “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert, ou “Notre-Dame de Paris”, de Victor Hugo, entre muitos outros.

São livros cuidados, em termos de confeção e de materiais utilizados, que pretendem uma aproximação o mais possível ao original, explicou à Lusa Jessica Nelson, fundadora e diretora (juntamente com Nicolas Tretiakow) da editora.

Esta é a primeira vez que se lança no mercado português, com um manuscrito da escritora brasileira Clarice Lispector, e é também uma estreia na edição em língua portuguesa, disse.

Uma primeira vez que não deverá ser a última, já que a editora está “a estudar futuros manuscritos de grandes autores”, ciente de que “a literatura em língua portuguesa é muito rica”.

Quanto ao manuscrito de “A hora da estrela”, Jessica Nelson explica que o livro vem dentro de uma “caixa feita à mão” em França, “estampada com um ferro de dourar e adornada com um desenho e um friso concebidos” na oficina de desenho da própria editora.

“A tiragem é de 1.000 exemplares. Uma nota do editor acompanha o manuscrito, e adicionamos anexos contendo notas de trabalho de Clarice Lispector”, revelou a responsável.

Além disso, o livro faz-se acompanhar pelas variações de várias passagens importantes, ensaiadas pela autora durante a elaboração do romance.

“Costumamos dizer que os manuscritos são matéria viva: eles estão sempre em movimento. No manuscrito de ‘A hora da estrela’, por exemplo, encontramos mais de uma versão para diferentes passagens-chave do texto: há duas versões da cena final do livro (a versão publicada seria o resultado da fusão dessas duas variantes). É o caso também do início do texto, inicialmente escrito de forma curta e condensada, e depois desenvolvido em várias outras folhas, mais próximo do que seria no final”, especificou Jessica Nelson.

Aliás, este é um dos maiores prazeres de trabalhar com manuscritos, confessa a editora, a possibilidade de “descobrir o autor, uma obra, a literatura de uma forma diferente”.

“Mais intimista, mais original, às vezes surpreendente. Como, por exemplo, quando descobrimos — e isso só foi possível graças aos manuscritos originais — que Marcel Proust hesitou muito antes de escolher a sua famosa ‘madeleine’. Nos primeiros rascunhos, ele oscilou entre uma torrada, uma bolacha, um bolinho sem nome…”.

Apesar de ter uma dedicação quase exclusiva aos manuscritos, a SP Edições interessa-se também por edições raras e ilustradas, pela bibliofilia e por desenhos de escritores.

“No início, voltámo-nos espontaneamente para os manuscritos de romances franceses; hoje publicamos uma grande variedade de manuscritos”, entre eles o último caderno musical de Mozart ou a correspondência de escritores.

Fundada em França em 2012, foi só em 2016 que esta marca editorial se começou a projetar internacionalmente – com manuscritos como “Jane Eyre”, inicialmente, e “Teoria da relatividade geral”, de Einstein, posteriormente — “por meio da colaboração com prestigiosas instituições e agentes da vida cultural de diferentes países”.

Os ‘fac-símiles’ e as edições científicas já existiam muito antes do aparecimento da SP Edições. O que fez com que a editora se destacasse foi o facto de ser “a primeira a tratar o manuscrito como um objeto de arte, além de ser um objeto de estudo”, contou Jessica Nelson.

“Por isso, temos um cuidado especial com os materiais que utilizamos, com o papel, com a confeção das caixas que contêm os nossos livros, com o tratamento das imagens. Aliás, uma das nossas especificidades é restaurar as imagens dos manuscritos, para dar ao leitor a impressão de que ele possui o texto original nas suas mãos”.

Para ter acesso aos manuscritos originais, é desenvolvido um trabalho de colaboração com grandes instituições, colecionadores e famílias de escritores, revelou a diretora da SP Edições, sublinhando: “Cada livro é para nós a oportunidade de uma nova aventura, com novos desafios e novos encontros”.

Quanto à ideia de criar esta editora, nasceu de uma visita a uma exposição, mas já germinava na cabeça dos seus fundadores, como contou Jessica Nelson: “Havia muito tempo que Nicolas Tretiakow e eu queríamos criar um novo tipo de editora. Uma exposição na Biblioteca Nacional da França, em Paris, sobre os rascunhos dos escritores foi o estopim. Tínhamos a sensação de estar diante de verdadeiros tesouros; e então pensámos que seria um ótimo objetivo poder compartilhá-los com um público de entusiastas”.

Atualmente a editora dispõe de um catálogo com cerca de 40 títulos, que são manuscritos de grandes obras francesas, inglesas e americanas, alemãs e, agora, em língua portuguesa.

Os livros são distribuídos pelo mundo através do site da editora (disponível em várias línguas) e das “livrarias que confiam” no seu trabalho.

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