Monumento que recorda travessia aérea do Atlântico ganha "nova vida"

“O restauro de um monumento, com é o caso do Poss na ilha de São Vicente, mais não é do que restituir à ilha um símbolo e uma entidade que é cultural, urbanística e paisagística da ilha”, começou por explicar à Lusa o presidente do Instituto do Património Cultural (IPC) cabo-verdiano, Jair Fernandes, após conclusão do restauro do monumento para assinalar a passagem da primeira travessia aérea do Atlântico por Gago Coutinho e Sacadura Cabral.

Depois dos alertas e reclamações sobre o estado de degradação, em que apresentava várias fissuras, o IPC lançou mãos à obra e, juntamente com a Câmara Municipal, entregou à segunda maior cidade do país uma estátua renovada.

“Em bom momento o povo são-vicentino deu-nos o alerta da necessidade de uma intervenção, associamos aqui a câmara municipal, que contratualizou uma empresa e que fez um trabalho meritório”, salientou Jair Fernandes.

Os trabalhos consistiram, primeiramente, em garantir a segurança estrutural do monumento, com injeção de argamassa, e depois a restituição de alguns elementos que já estavam degradados.

“Depois houve a necessidade da consolidação de todo o entorno”, apontou o presidente, dizendo que o IPC está a trabalhar com a autarquia na possibilidade de desviar o trânsito de veículos pesados dessa rotunda que fica na Avenida Marginal e em frente à Marina do Mindelo, um dos locais mais movimentados da cidade e com maior número de tráfego na ilha de São Vicente.

“O que pressupõe por si só vibrações e, considerando o estado de conservação, é preciso atenuar esse elemento degradante para um futuro próximo”, previu Fernandes, dizendo que outro cenário seria a deslocalização do monumento de arte urbana que é “marcante” para as relações de Cabo Verde e de Portugal.

Denominada oficialmente como “Estátua do Pássaro”, trata-se de um obelisco na forma de pássaro, construído há cerca de 40 anos, “para comemorar a passagem por Mindelo, em 1922, dos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral na sua travessia do Atlântico Sul”.

O hidroavião “Lusitânia” fez história em 1922 ao ligar o Atlântico, mas a passagem dos aviadores por São Vicente permanece na memória daquela ilha cabo-verdiana. Além de ter sido a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, foi também o primeiro voo que Cabo Verde recebeu.

As autoridades municipais mandaram mesmo construir um padrão no local onde aportaram, na baía, e edificaram outro cerca de dez anos depois.

Com o imponente obelisco Poss de fundo, aquela área, junto à baía do Mindelo, ficou mesmo conhecida como a “avenida dos aviadores”, tal foi a importância do feito de ambos, recebidos em 06 de abril de 1922 na Câmara Municipal da cidade, que se reuniu em sessão solene para os homenagear publicamente.

Neste sentido, o presidente do IPC sublinhou a importância desse monumento para o centro histórico do Mindelo, que é classificado como património nacional. “Mas também ao nível de arte urbana, estamos a restituir um dos elementos mais emblemáticos para a ilha de São Vicente, e o mesmo apelo que lançamos a todas as câmaras municipais”.

Os trabalhos foram feitos no âmbito do Plano de Reabilitação e Restauro dos Bens Patrimoniais, que abarca estátuas e outros elementos decorativos dos centros urbanos, sobretudo os classificados como património nacional.

“Para São Vicente e para o centro histórico do Mindelo é mais um elemento que ganha vida, ganha imponência no quadro urbanístico e paisagístico”, enfatizou Jair Fernandes, numa requalificação que estava prevista para 2020, mas que devido à pandemia de covid-19 foi adiada.

O dirigente cabo-verdiano salientou ainda a importância da existência nos centros urbanos de elementos de arte decorativa, independentemente da sua natureza, mas que dão sempre um ar diferente à cidade.

No final do dia 05 de abril de 1922, o hidroavião Fairey III D Mkll – o primeiro de três usados naquela histórica travessia – amarou na baía do Mindelo, depois de uma viagem de 10 horas e 43 minutos para percorrer 1.572 quilómetros, desde as Canárias, que tinham sido a primeira paragem após a saída de Belém, Lisboa, em 30 de março.

Há cem anos, aos comandos do hidroavião seguiam Gago Coutinho, experiente cartógrafo da Marinha, e Sacadura Cabral, piloto com larga experiência, conhecimentos complementares e tidos como decisivos para o sucesso de uma viagem com, no total, cerca de 8.300 quilómetros, chegavam ao Mindelo.

Em São Vicente, Gago Coutinho e Sacadura Cabral permaneceram mais de dez dias, em reparações do hidroavião “Lusitânia”. A etapa seguinte foi curta, até à Praia, ilha de Santiago, e aconteceu em 17 de abril, com 315 quilómetros percorridos em pouco mais de duas horas. Pouco mais do dobro do tempo das ligações aéreas atuais, cem anos depois.

Os dois aviadores deixaram Cabo Verde – ilha de Santiago – em 18 de abril de 1922 para o troço mais longo da viagem. Levaram 11 horas e 21 minutos para percorrer os 1.682 quilómetros até amarar no arquipélago de São Pedro e São Paulo, um conjunto de pequenos ilhéus rochosos do estado brasileiro de Pernambuco, mas ainda a quase 1.000 quilómetros da costa continental.

Ali trocaram para o Fairey N.º 16, batizado de “Pátria”, mas este sofreu uma avaria no motor em 04 de maio, na viagem a caminho do arquipélago de Fernão de Noronha, e os aviadores foram forçados a amarar de emergência.

Já no terceiro hidroavião, o Fairey N.º 17, batizado “Santa Cruz”, Gago Coutinho e Sacadura Cabral chegaram ao Rio de Janeiro em 17 de junho de 1922, o destino final.

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