Esta oferta do monarca português do século XVII faz parte do percurso da exposição intitulada ‘Tesouro dos Reis – Obras-primas do Terra Sancta Museum’, que abre ao público na sexta-feira, no Museu Gulbenkian, onde ficará patente até 26 de fevereiro de 2024.
No final de uma visita realizada hoje para os jornalistas, o comissário executivo da exposição, André Afonso, em declarações à agência Lusa, indicou que a lâmpada portuguesa foi uma das selecionadas para restauro por se encontrar “com o material enegrecido, oxidado pela humidade, devido ao seu uso no interior da Basílica do Santo Sepulcro”.
O projeto de restauro e conservação de um conjunto de peças do acervo do Museu da Terra Santa — composto por doações de monarcas e príncipes ao longo dos séculos — foi iniciado há dois anos, e a equipa que visitou Jerusalém para o concretizar acabou por encontrar mais peças necessitadas de intervenção do que esperava.
“Algumas peças são usadas pelo culto e outras estão guardadas em sacristias, enquanto não abre o Museu da Terra Santa” na sua totalidade, prevista para 2026, onde terão condições mais protegidas, segundo o responsável.
Iniciado há cerca de uma década, o projeto do Museu da Terra Santa inclui um núcleo arqueológico, já aberto ao público, no Convento da Flagelação de Jerusalém, e a segunda parte do projeto contempla a criação de outro para albergar as coleções históricas e artísticas, estando atualmente em obras, numa secção que ficará situada no Convento de São Salvador, em plena Cidade Velha de Jerusalém.
De acordo com André Afonso, de cerca de uma centena de peças na exposição que é inaugurada hoje, na Gulbenkian, 40 foram escolhidas para restauro, entre elas também os paramentos negros bordados a fio de ouro oferecidos pelo rei português João VI para a Terra Santa.
“Quando o museu começou a desenvolver este projeto, há cerca de dois anos, o Museu da Terra Santa já nos tinha chamado a atenção para a necessidade de intervenção em conservação e restauro de algumas peças”, de origens como Portugal, Espanha, Nápoles, entre outras, indicou.
Depois de viajarem duas vezes para Jerusalém para observar em detalhe as obras antigas, em metais preciosos, madeira, têxteis e documentos, os responsáveis decidiram ‘criar sinergias com outras instituições para desenvolver um projeto mais qualificado’, disse o conservador e curador da Gulbenkian.
“Pedimos a preciosa colaboração do laboratório José de Figueiredo, do Estado português, que ficou com a supervisão científica de todo este projeto, e contratámos uma equipa de oito restauradores/conservadores que estiveram em permanência nas oficinas [do Museu Gulbenkian] a fazer intervenção nestas peças”, revelou.
André Afonso disse que globalmente, mais de dez conservadores especializados estiveram envolvidos, ao longo de cinco meses, neste projeto de restauro, cinco dedicados ao metal dos objetos, um para as madeiras, outro para os têxteis, e mais um para os documentos gráficos.
‘Era necessário um esforço coletivo para apoiar a Custódia da Terra Santa, que não tem as condições, localmente, para o fazer, nem os meios financeiros’, apontou o comissário executivo da exposição, acrescentando que esta intervenção é feita ‘num património que é verdadeiramente universal, em peças vindas também do Sacro Império, do próprio território da Terra Santa, ainda mais tendo em conta que este património vai ser exposto em 2026’.
André Afonso sublinhou que o futuro museu “vai ter uma sala dedicada a ofertas portuguesas do acervo, onde as peças vão brilhar”.
Entre as outras peças restauradas, de variadas proveniências, estão um modelo da Basílica do Santo Sepulcro em madeira e madrepérola, de 1700, e um baldaquino eucarístico em prata e cobre dourado ofertado pelo rei Filipe IV de Espanha.
A exposição ‘Tesouro dos Reis – Obras-primas do Terra Sancta Museum’, em parceria com a Custódia da Terra Santa e o Museu da Terra Santa exibe dezenas de doações realizadas num período em que a região era um importante centro de projeção da devoção e do poder dos reis e príncipes católicos europeus, contendo ofertas preciosas de João V de Portugal, Filipe II de Espanha, Luís XIV de França, Carlos VII de Nápoles e Maria Teresa de Áustria, entre outros.
Conjuntos artísticos de ourivesaria, têxteis e mobiliário foram doados para serem utilizados, sobretudo no culto e na ornamentação da Basílica do Santo Sepulcro, nomeadamente a lâmpada de igreja em ouro remetida por João V, com as armas nacionais, ou o grande baldaquino (para colocação de custódia ou crucifixo) ofertado por Carlos VII, rei de Nápoles, peças incluídas nesta exposição, que tem como comissário científico Jacques Charles-Gaffiot, historiador de arte e autor, membro do comité científico do Museu da Terra Santa.
Além das produções da arte europeia, os monarcas e príncipes enviavam também recursos materiais e financeiros destinados ao sustento das igrejas e comunidades locais, tais como moedas de ouro, cera e azeite, e ainda, de forma muito frequente no caso português, bálsamos, perfumes, especiarias e chá provenientes do Oriente, aponta a apresentação da mostra.
A Custódia da Terra Santa — instituição católica franciscana responsável por zelar pelos lugares cristãos na Terra Santa — assume-se, desde 1342 como guardiã deste património arqueológico, artístico e litúrgico.
Até lá, algumas das obras vão poder ser vistas numa itinerância com início em Portugal, passando por Espanha, Itália e, finalmente, por Nova Iorque, na Frick Collection.
Além do acervo do Museu da Terra Santa, estarão expostas peças do Museu Nacional de Arte Antiga, Museu Calouste Gulbenkian, Museu Nacional de Machado de Castro, Museu Nacional do Azulejo, Palácio Nacional da Ajuda, Paróquia de Nossa Senhora dos Remédios de Moita do Norte (Diocese de Santarém), Biblioteca Nacional de Portugal, Biblioteca de Arte e Arquivos Gulbenkian, e Patriarcado Arménio de Jerusalém.
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