Quem vive no Douro diverge nas opiniões sobre o Património Mundial

O Alto Douro Vinhateiro (ADV) foi classificado Património Mundial da Humanidade a 14 de dezembro de 2001.

Duas décadas depois as opiniões de quem vive no território não são unânimes sobre o ADV.

Junto ao miradouro de São Leonardo da Galafura, sobre o rio Douro, foi construído há cerca de 30 anos o restaurante São Leonardo.

“Desde a classificação é muita a diferença. Há muitas mais pessoas a passear por aqui, antigamente não era assim”, afirmou à agência Lusa Dulce Lebres, de 45 anos. É filha dos proprietários e começou a trabalhar aos 14 anos no restaurante do concelho do Peso da Régua, distrito de Vila Real.

O miradouro de onde se observa a “beleza absoluta” que inspirou Miguel Torga é um ponto de passagem quase obrigatório no Douro e do restaurante Dulce Lebres, que foi vendo os turistas chegar.

“Com a covid-19 diminuiu um pouco, mas vem muita gente de todo o lado. Muitos estrangeiros, temos agências que só trazem mesmo estrangeiros”, salientou.

À paisagem sobre o rio, as vinhas e os socalcos aliam-se os pratos tradicionais servidos no restaurante.

“Na altura era quase só aos fins de semana, durante a semana não havia quase ninguém. Não tem nada a ver com o que é agora. Durante a semana estávamos aqui duas pessoas. Agora somos quatro, cinco, todos os dias”, contou Dulce Lebres.

Há 27 anos que Sónia Tavares, 43 anos, vende os tradicionais rebuçados da Régua junto à estação do caminho de ferro.

À Lusa disse que aos poucos foi vendo mais turistas chegar ao Património Mundial, de comboio, barco ou autocarro. “Realmente estava a vir mais pessoal”, salientou a rebuçadeira, que lamentou a pandemia que veio atrapalhar o negócio.

Também no largo da estação está Cesário Rodrigues, de 71 anos e taxista há 47 anos. Questionado se a classificação pela UNESCO trouxe mais clientes respondeu que “nem por isso” e que os “turistas que chegam de comboio pouco usam o táxi”.

“Eu ganhei mais dinheiro há 20 anos do que ganho hoje”, salientou.

Pela Estrada Nacional (EN) 222 que corre ao longo do rio e foi considerada uma das estradas mais bonitas do mundo viaja-se da Régua para o Pinhão (Alijó).

Para Gisela Carvalho, 41 anos, este foi mais um motivo de atração ao território a juntar à paisagem, às quintas, às vinhas em socalcos e aos vinhos.

É proprietária do restaurante Veladouro, aberto há 11 anos no cais fluvial do Pinhão, e referiu que, apesar do início difícil devido à crise que então Portugal atravessava, aos poucos começou a “notar uma evolução positiva”.

Também a sazonalidade, segundo a empresária, se começou a esbater.

“Mesmo assim, dentro de todas as dificuldades, fechos, estados de calamidade e de isso tudo, continuamos a ter clientes e cada vez mais a afluência no Douro aumenta”, frisou.

Um pouco ao lado, a Quinta do Noval abriu uma loja de vinhos há dois anos. “Penso que é uma aposta muito ganha, muito válida”, referiu Paula Silva.

A responsável pela loja acredita que o ADV é “um incentivo” para os turistas virem ao território e referiu que, apesar do ‘timing’ que coincidiu com a pandemia, a “resposta foi muito agradável”.

Milene Craveiro, guia da empresa CMTour, deixou um grupo de 20 turistas estrangeiros provenientes dos Estados Unidos da América, Israel, Noruega e Inglaterra num barco para um passeio de uma hora pelo rio. “Este ano correu surpreendentemente bem”, salientou.

Milene disse que ainda há turistas a chegar ao Douro sem saber que é Património Mundial da Humanidade.

Junto ao rio um grupo de reformados conversa. As preocupações estão voltadas para a raspadinha que compraram e o ADV não parece ser tema de grande interesse.

António Silva, 82 anos e carteiro reformado, é mais crítico e disse que “não notou diferença nenhuma” nestes anos de classificação. “O Pinhão não progrediu coisa nenhuma, está estagnado e até em algumas coisas está pior. Perdeu serviços como os correios, que agora têm um posto na junta. Não temos um sapateiro, um alfaiate, uma padaria. Então, na minha opinião foi para pior” salientou.

Mais, acrescentou, para construir uma casa é “agora um problema dos diachos”. Há, reconheceu, mais gente no território, mas os “turistas não deixam cá nada”.

Laurindo Silva, 81 anos e antigo camonianista, disse que o Pinhão era “quase uma quinta” e nestes 20 anos “tem progredido”. “Tem nome de vila e já parece uma vila”, frisou.

Na sua opinião, o “turismo é a coisa principal deste lugar”. “Aqui sem turismo não é nada. Vê-se hoje, parece que não mora cá ninguém, se cá vier a partir de março, abril pronto, já não se pode andar aqui”, referiu.

Numa aldeia de Vila Real, o viticultor Henrique Silva, 55 anos, disse que aqui “nem se dá” pela classificação. “Para nós não melhorou nada, ainda piorou. Tínhamos mais rendimento primeiro do que agora. Não é com o dinheiro da vinha que dá para viver”, afirmou à Lusa.

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