Realizadora Joana Pontes lamenta descuido na gestão dos arquivos públicos

 

Joana Pontes, investigadora e realizadora, falava à agência Lusa a propósito da estreia comercial do filme “Visões do Império”, depois de ter integrado a programação do DocLisboa.

O filme tem realização de Joana Pontes, mas coautoria com os investigadores Miguel Bandeira Jerónimo e Filipa Lowndes Vicente, e mergulha em arquivos públicos e privados para refletir sobre a utilização da fotografia durante o Estado Novo, para criar uma narrativa imperialista dos territórios colonizados.

A realidade “é poliédrica”, como define Joana Pontes: “Há um itinerário de interrogações sobre a maneira como se deu a ideia de que o império era grande, estava ocupado, havia ordem e progresso e essa ideia é contestável. Hoje em dia consegue-se perceber que afinal não era bem assim”.

Nesta reflexão sobre a construção de uma imagem do país naquele período, até à revolução de Abril de 1974, Joana Pontes contou com recurso às fotografias tiradas em contexto privado e familiar pelos portugueses que habitaram nas ex-colónias, nomeadamente a própria família da realizadora.

“Estava a fazer a minha investigação de doutoramento em História Contemporânea, sobre a forma como as pessoas comuns viram a guerra colonial, como sentiram essa missão privadamente. Estudei quase cinco mil cartas e, no acervo que estudei, havia muita circulação de fotografias e que eram extremamente importantes, que os soldados mandavam às famílias para manter a ligação”, recordou.

Foi aí que surgiu o interesse em perceber a natureza dessas fotografias e o que podiam contar, ou acrescentar sobre a história recente do país. Na procura de respostas a perguntas sobre a presença portuguesa naqueles territórios, Joana Pontes recorreu também aos seus álbuns de família que remetem para Angola, onde nasceu e passou a infância.

Além do documentário, este trabalho de pesquisa resultou também numa exposição que está patente até ao final do ano no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, e dará ainda lugar à edição de um livro.

“Tenho sempre uma preocupação nos meus projetos que é tirar do espaço académico os assuntos, para os poder debater no espaço público e poder, noutra linguagem, tornar acessível ao um público mais vasto”, sublinhou a realizadora.

É por isso que lamenta que essa transmissão de conhecimento não aconteça mais amiúde, nomeadamente no contexto educativo, para os manuais escolares, por exemplo.

“Como é que o Estado, pela educação, vai conseguir explicar, mostrar, uma outra realidade que não aparece. As partes mais contemporâneas da nossa história quase não são dadas, porque é no final do ano letivo”, criticou.

E acrescenta outra dimensão, a montante, no trabalho invisível nos arquivos: “Se não fossem as extraordinárias pessoas que trabalham nos arquivos isto já tinha acabado tudo, porque os arquivos não têm meios, não têm dinheiro nenhum. A grande tristeza é olhar para arquivos com um património extraordinário e ser um descuido total”.

Joana Pontes é coautora, entre outras obras, do documentário “As horas do Douro” e da série “Portugal, um retrato social”, ambos com António Barreto, e do documentário “O escritor prodigioso”, sobre Jorge de Sena.

 

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