Representantes da Cultura apresentam propostas desde início da pandemia

No domingo, em resposta, no jornal Público, a uma carta aberta do setor cultural, o primeiro-ministro, António Costa, considerou “bem-vindos os contributos” da sociedade civil relativamente ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) a apresentar em Bruxelas, mas recordou às estruturas artísticas as limitações do programa.

O primeiro-ministro respondia à carta aberta publicada no mesmo jornal na sexta-feira, que conta já com mais de três centenas de subscritores das áreas do teatro, dança, cinema, produção e gestão cultural, e da investigação em ciências humanas, estranhando “que a cultura não esteja presente, nas suas variadas áreas”, na versão do PRR que se encontra em consulta pública.

Contactado hoje pela Lusa, o sindicalista Rui Galveias, coordenador do Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos (CENA-STE), recordou que aquela entidade está “desde abril de 2020 a dar contributos com propostas concretas, algumas respondidas, através dos novos apoios, outras não”, em diálogo com o Ministério da Cultura.

“A resposta do primeiro-ministro tem um tom um bocadinho altivo e com algum pretensiosismo de que os agentes do setor não soubessem do que estão a falar. Mas todo o setor está a apresentar propostas há muito tempo, não apenas o sindicato”, afirmou Galveias.

No entender do CENA-STE, a resposta deveria ser: “Nós, Governo, vamos tentar encontrar soluções junto destes fundos para garantir apoios para que o setor sobreviva, e consiga manter-se à superfície”.

“A resposta de António Costa não foi esta. Diz, antes, que o Governo está a fazer o que pode, e que a União Europeia (UE) é que manda, determinando como os valores são distribuídos em Portugal. Mas a UE não pode decidir algo que cabe ao Governo”, sustentou ainda Rui Galveias.

No artigo de opinião, o primeiro-ministro disse serem “bem-vindos os contributos” até 01 de março, dia em que termina a consulta pública do programa, e que existe o objetivo de considerar “novos programas ou novos projetos”.

“O projeto PRR foi colocado de novo em consulta pública, precisamente para poder ser objeto de leitura crítica, mas sobretudo para ainda poder beneficiar de novas propostas”, escreveu António Costa.

Também a Plateia – Associação de Profissionais das Artes Cénicas considera que o primeiro-ministro, nesta missiva, “escusa-se a assumir a sua responsabilidade, e admite que não sabe o que colocar” no PRR.

“Era desnecessário o primeiro-ministro escrever uma resposta quando não tem nada para dizer”, comentou a dirigente Amarílis Felizes, contactada pela Lusa.

A direção da entidade considera que a resposta de António Costa “não deveria ser dirigida aos agentes da cultura, mas a todos os portugueses, porque o setor deve ser estratégico para o país”.

“Todos os setores foram afetados pela pandemia, mas a cultura foi um dos mais afetados. O choque está a ser particularmente grave. Há muita desregulação laboral, e é preciso medidas e propostas para a sua recuperação”, apelou, acrescentando que “o facto de o Governo não ter em conta essas propostas no PRR é uma falha grave”.

Por outro lado, a dirigente da Plateia disse também que as estruturas subscritoras da carta aberta publicada na sexta-feira “têm estado a apresentar várias propostas, e mostrado disponibilidade para contribuir”.

A Rede – Associação de Estruturas para a Dança, outra das entidades culturais subscritoras, contactada pela Lusa, lembrou que têm estado “desde sempre disponíveis para contribuir com propostas”.

“Tivemos razões para subscrever aquela carta aberta, como todas as outras entidades e artistas”, vincou Sara Goulart, responsável da coordenação executiva da Rede.

Numa resposta escrita, a Plataforma do Cinema foi no mesmo sentido das demais estruturas: “A resposta do Sr. primeiro-ministro confirma, pois, que não existe na visão estratégica do Governo para o relançamento da economia nacional e para a intervenção estruturante a médio prazo nas áreas em questão, uma compreensão da Cultura como uma área transversal e necessária”

“Em todo o caso, e independentemente da apresentação de propostas pelos diversos agentes da Cultura e das Artes, entendemos ser da máxima importância que se esclareça qual foi o papel do Ministério da Cultura no processo de elaboração do documento em causa. Foram apresentadas outras propostas para inclusão da Cultura no PRR? Se sim, o que levou à sua exclusão? Se não, como se justifica o papel da Ministra da Cultura?”, questiona a Plataforma do Cinema.

Numa entrevista ao jornal Público, divulgada na sexta-feira, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, fez o mesmo apelo que o primeiro-ministro para que as estruturas do setor participassem na consulta pública e lembrou que “o Governo estruturou os próximos anos em torno de dois incentivos financeiros — o PRR e o quadro financeiro plurianual — que têm de ser vistos como programas complementares. Ainda não é conhecida a proposta do quadro financeiro plurianual”.

“Está em consulta pública um plano muito importante para os próximos anos, é o momento de a sociedade civil apresentar propostas para mudar o futuro face ao que tem sido a prática do passado”, acrescentou a governante.

Personalidades como a historiadora Irene Flunser Pimentel, o encenador Jorge Silva Melo, a atriz Maria do Céu Guerra, a presidente da Fundação José Saramago, Pilar del Río, o investigador e programador António Pinto Ribeiro, o gestor cultural Miguel Lobo Antunes e o músico Sérgio Godinho defendiam, na carta aberta, que deve ser aproveitada “a oportunidade que se apresenta, revitalizando de forma estruturante este setor tão central ao futuro da vida nacional”.

O PRR de Portugal, posto em consulta pública na passada terça-feira, elenca 36 reformas e 77 investimentos nas áreas sociais, clima e digitalização, num total de 13,9 mil milhões de euros em subvenções.

A chegada a consulta pública da versão preliminar acontece depois da apresentação de um rascunho à Comissão Europeia, em outubro passado, e de um processo de conversações com Bruxelas.

No plano, estão também previstos 2,7 mil milhões de euros em empréstimos, apesar de ainda não estar decidido se Portugal recorrerá a esta vertente do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, o principal instrumento do novo Fundo de Recuperação da União Europeia.

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