S. Luiz. "Recuperar o corpo" para "manter artistas presentes" é proposta

“Recuperar o corpo”, que abarca teatro e dança, começou “com a ideia de construir um arquivo pessoal de artistas” como forma de os “manter presentes, fora de uma determinada obscuridade”, numa “tentativa de inscrever alguns artistas na história de arte em Portugal”, acrescentou à agência Lusa o criador e diretor artístico da iniciativa, Miguel Bonneville.

A ideia surgiu também como “forma de combater a dificuldade que existe em fazer circular espetáculos dentro do país”, e da “efemeridade” que representa e acarreta para a arte, indicou.

“Os espetáculos acontecem, fazem-se uma ou duas apresentações e depois nunca mais voltam a ser feitos, porque são raras as oportunidades que temos em realmente fazer uma carreira, o que torna tudo ainda mais efémero no contexto das artes performativas”, disse Bonneville, sublinhando a “efemeridade” das produções.

“Julieta bebe uma cerveja no inferno” (2018), de Tiago Vieira, no sábado e domingo; e, nos dias 06 e 07 de novembro, “A balada de amor e morte do porta-estandarte Christoph Rilke” (2018), de Maria Duarte e João Rodrigues, “Anita escorre branco” (2018), de Odete, e “notforgetnotforgive” (1999), de Carlota Lagido, são alguns dos espetáculos do ciclo.

“Haikus” (2002), de Sónia Baptista, a 10 e 11 de novembro; e, nos dias 13 e 14, “Interior” (2004), de Rita Só e Mónica Cale, e “A grande sombra loira” (2013), de Tiago Barbosa, completam a lista de solos de um conjunto de artistas cujas atuações foram projetadas para palcos que habitualmente não o são, como casas de banho, caves de antigos bares ou latoarias, e que têm em comum a relação entre a arte e corpo e a necessidade de entender o ser humano e a sua relação com o corpo.

Todos estas peças, todos estes artistas “estão aqui porque me arrebataram de alguma forma e me fizeram questionar o que é a arte, como é que se pode fazer, e pensar e sentir arte de uma forma tão simples”, disse Miguel Bonneville à Lusa.

O que liga espetáculos do ciclo é também, nas palavras de Bonneville, um dos diretores artísticos do Teatro do Silêncio, o que o move enquanto criador: “uma noção de anti-espectacularidade, simplicidade e intimidade” que “transformam o olhar”.

“Recuperar o corpo” materializou-se depois de uma ideia inicial de Miguel Bonnevile em criar um ‘site’ na Internet, que disponibilizasse vídeos de espetáculos e entrevistas com artistas ou até uma agenda com uma lista de espetáculos.

Material que seria depois disponibilizado de forma livre e aberta, porque era a forma “mais imediata” de criar um arquivo de artistas com poucos meios, disse.

Por falta de tempo do criador, que chegou a adquirir um domínio para disponibilizar a iniciativa na Internet, a ideia foi evoluindo até “que se sentou e começou a fazer uma lista de espetáculos de artistas” que o “influenciaram e marcaram”.

Este ciclo acabou por chegar ao S. Luiz, por ter sido neste teatro que Miguel Bonneville apresentou espetáculos como “A importância de ser Georges Bataille” e “A importância de ser António de Macedo”, com os quais pretendeu homenagear artistas, “uns mortos, outros vivos, uns portugueses, outros estrangeiros”.

“Recuperar o corpo” é “como se fosse uma ramificação desses espetáculos” de “homenagens a artistas” que são importantes para Miguel Bonneville e que de alguma forma o marcaram e entraram no seu “arquivo pessoal de favoritos”, precisou.

“Mas é, sobretudo, uma forma de os partilhar com outros, de não os esquecer”, funcionando como “uma espécie de dedicatória”, mas também como forma de se “confundir com eles, de fazer parte deles e de alguma forma ser eles também”, frisou.

A “procura de criar uma comunidade de vozes individuais”, na qual cada um não tenha de estar necessariamente de acordo, mas em que “não tenha de se reger pelas mesmas normas e mesmo assim consiga reconhecer no outro as suas fragilidades” é, segundo Miguel Bonneville, outro dos objetivos do ciclo, que decorrerá nas salas Luis Miguel Cintra, Mário Viegas e Bernardo Sassetti.

No último dia do ciclo, às 16:00, na galeria Fernando Pessoa, no Centro Nacional de Cultura, haverá uma conversa com artistas e será lançada uma publicação com o mesmo título, “Recuperar o corpo”, editada pelo Teatro do Silêncio.

Além de entrevistas aos artistas, a publicação integra ainda textos de Miguel Bonneville e um texto a contextualizar o projeto, da autoria de Pedro Arrifano, doutorado em História da Arte Contemporânea, licenciado e mestre em Filosofia, e investigador do Centro de Humanidades (CHAM) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa.

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