Serralves dedica programa de três dias a compositora Maryanne Amacher

O momento de “homenagem, partilha e contribuição” tem como objetivo um “maior entendimento e visibilidade” do trabalho da norte-americana, conhecida por trabalhos imersivos, criados especificamente para um local, e uma investigação contínua sobre a materialidade do som.

“O programa de ‘Additional Tones: A Tribute to Maryanne Amacher‘ surge em consonância com o recente e crescente reconhecimento internacional da importância e singularidade da obra de Amacher“, pode ler-se num comunicado da fundação.

Os investigadores Amy Cimini e Bill Dietz dinamizam um seminário dedicado a duas das séries mais marcantes que criou, “Music for Sound Joined Rooms” e “Mini Sound Series”, na sexta-feira, dando início à programação dedicada.

Há duas estreias nacionais, a primeira do filme “Sisters With Transistors”, sobre “o trabalho pioneiro de várias mulheres que marcaram a história da música eletrónica, realizado por Lisa Rovner, pelas 11:00 de sábado.

Marianne Schroeder e Joana Gama interpretam, ao piano, “Petra”, atuando juntas pela primeira vez no domingo, pelas 10:30.

Estreada na Suíça em 1991, foi escrita para dois pianos e tem como inspiração um conto de ficção científica com o mesmo título, de Greg Bears, em que as gárgulas de Notre Dame procriam com os seres humanos num cenário pós-apocalíptico.

Meia hora depois, a obra “Perceptual Geographies”, inspirada e dedicada a Amacher, do compositor holandês Thomas Ankersmit, será também interpretada pela primeira vez em Portugal, pelo próprio.

Ankersmit, antigo aluno da compositora, tem dedicado pesquisa à compositora, explorando, em “Perceptual Geographies”, os “diferentes modos de escuta: não apenas que sons e quando são ouvidos, mas também como e onde os sons são experimentados”, da sala ao interior do corpo de cada um.

As emissões otoacústicas, ou sons gerados dentro do próprio corpo, pelo ouvido, têm aqui “um papel importante”, recordando o papel pioneiro da norte-americana na investigação do uso destes fenómenos.

Até março, e através da Internet, vão decorrer ainda várias sessões de discussão e leitura do livro “Maryanne Amacher: Selected Writings and Interviews” (“Maryanne Amacher: Textos Escolhidos e Entrevistas”, em tradução livre), numa parceria com a Biblioteca Pública de Nova Iorque.

Em 2002, Amacher apresentou “The Sounding of Casa de Serralves: Supreme Connections”, uma instalação sonora, visual e performativa integrada numa série de trabalhos intitulada “Music for Sound Joined Rooms”, que começou em 1980.

“A Casa de Serralves foi transformada num lugar de experiências multidimensionais e imersivas. O som difundia-se através da estrutura arquitetónica, pelas salas, quartos, colunas e antecâmaras. A arquitetura dava forma à propagação do som e à sua audição”, recorda a nota.

A instalação incluía vários vídeos, em espaços diferentes, objetos cenográficos e “estranhas criaturas a habitar os jardins”, num trabalho também inserido numa investigação que a compositora levou a cabo sobre a “fenomenologia da perceção“.

O corpo de trabalho de Amacher estende-se por várias décadas, dos Estados Unidos à Europa e à Ásia, tendo ainda colaborações com o dançarino e coreógrafo Merce Cunningham (entre 1974 e 1976) e o também compositor John Cage (em “Lecture on the Weather” e “Empty Words/Close Up”).

“O seu trabalho foi pioneiro e visionário em várias áreas da criação musical e artística como a espacialização sonora, os novos media, a ecologia acústica, a inteligência artificial ou a psicoacústica“, destaca a fundação.

Nascida em 1938, aprendeu piano na Pensilvânia, onde estudou com Karlheinz Stockhausen e George Rochberg, antes de estudar composição na Áustria e em Inglaterra, e depois informática e acústica no Illinois, de volta aos Estados Unidos.

Em 1967, inaugurou a série “City Links”, que viria a ter um total de 22 peças, a primeira em Buffalo, onde estava em residência, um trabalho de 28 horas a partir de cinco microfones a captar som em partes diferentes da cidade, e transmitida em direto pela rádio.

O trabalho com arquitetura e a noção de encenação e perceção do som marcou grande parte da carreira, cuja última década foi dedicada a ensinar, no Bard College, com um reconhecimento crescente a partir da sua morte, em 2009.

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