Setor da Cultura diz que Estatuto dos Profissionais mantém problemas

O Estatuto, aprovado em Conselho de Ministros a 22 de abril, que abrange as áreas do registo profissional, do regime laboral e do regime contributivo, está em consulta pública até à próxima semana, mais especificamente até ao dia 17 de junho.

Num comunicado hoje divulgado, a Plateia — Associação de Profissionais das Artes Cénicas reafirma que “o Estatuto, tal como está, não apresenta solução para os atuais problemas laborais e de proteção social no setor da cultura”.

Esta posição foi tomada “após os esclarecimentos obtidos em reunião com o Governo no passado dia 19 de maio”, e a realização de três reuniões abertas, em que aquela associação debateu o tema “com todas as pessoas e estruturas que se quiseram juntar”.

A Plateia sublinha que, “para cumprir os objetivos, o Estatuto tem de responder à precariedade e insegurança de todas as pessoas que trabalham no setor, com medidas capazes de mudar a realidade atual”.

“Não há nenhuma estratégia, mecanismo ou nova medida para a promoção da celebração de contrato de trabalho e para a regularização dos falsos recibos verdes ou situações de falsos ‘outsourcing’, tão comuns nas nossas áreas de trabalho, quer no setor privado quer no público”, salienta a associação, acrescentando que, “sem a alteração do padrão de ilegalidade nas relações laborais nas áreas da Cultura, não se pode fazer caminho para uma maior proteção social”.

Segundo a Plateia, “a única proposta do Governo para incentivo à contratação é a indicação, no artigo 5.º, de que as instituições devem ‘preferencialmente fazer contratos'”.

A associação alerta também para a manutenção, no Estatuto, de “todas as regras problemáticas da lei 4/2008 [que aprova o regime dos contratos de trabalho dos profissionais de espetáculos], nomeadamente a facilitação, sem critério, do uso de contratos a termo sem limite de renovações e sucessões”.

Em relação ao Subsídio por Suspensão de Atividade Artística, a Plateia destaca que este “requer um prazo de garantia mais curto do que o subsídio de desemprego – 180 dias contados pela conversão de valores recebidos à razão de 2,5 IAS [Indexante aos Apoios Sociais] por mês – mas as regras para o seu acesso têm muitos e graves problemas”.

“A conversão à razão de 2,5 IAS por mês (30 dias) assume um rendimento mensal muito mais elevado do que a média no setor, afetando negativamente o acesso ao novo subsídio. Apenas pode aceder a este novo subsídio uma parte das pessoas que trabalham na cultura. O acesso é exclusivo a quem trabalha através de contrato de trabalho de muito curta duração ou através de recibos verdes, estando todas as outras pessoas de fora”, exemplifica.

Em 22 de abril, a ministra da Cultura revelou que, com a aprovação do Estatuto, os trabalhadores poderão ter acesso a um subsídio para a suspensão de atividade, ao fim de três meses sem trabalhar, e que este terá a duração de um período máximo de seis meses, podendo ser utilizado uma vez por ano. Este subsídio, sublinhou a ministra, é “prolongado a trabalhadores com mais de 55 anos”.

A Plateia questiona “de que forma é que um subsídio poderá proteger alguém e ser útil se é necessário estar três meses em inatividade para sequer o requerer”.

“Quem acumular rendimentos provenientes de Contratos de Trabalho de Muito Curta Duração e de trabalho independente, poderá aceder ao subsídio de uma forma (sem 3 meses de paragem) ou de outra (com 3 meses de paragem), mediante a obtenção de mais de 50% dos rendimentos do último ano através de contratos de trabalho ou prestação de serviços. Deste modo, um euro de diferença pode determinar o acesso ou não a esta prestação, uma discricionariedade inaceitável”, refere a associação, alertando que “este sistema não reforçará a proteção social porque não é compensatório e, por isso, não terá qualquer adesão”.

O Estatuto dos Profissionais da Cultura está em elaboração desde meados de 2020, quando o Governo anunciou a criação de um grupo de trabalho interministerial, “para análise, atualização e adaptação dos regimes legais dos contratos de trabalho dos profissionais de espetáculos e respetivo regime de segurança social”.

O grupo de trabalho contou também com contribuições de diversas associações representativas da Cultura, entre as quais a fundação GDA, a Sociedade Portuguesa de Autores, o Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos, a Plateia, a Performart, a Rede e a Associação Portuguesa de Realizadores (APR).

“Com esta proposta do Governo, o trabalho conjunto de quase um ano sai frustrado e a Plateia termina esta fase do processo muito desapontada com o resultado apresentado pelo Governo”, salienta a associação, garantindo que apresentará propostas no âmbito da consulta pública.

No final de maio, também a APR defendeu que o Estatuto, “tal como está, não responde aos problemas principais do setor: não estão previstos verdadeiros incentivos para a celebração de contratos de trabalho e não é assegurada uma proteção social eficaz e que responda à intermitência dos rendimentos dos profissionais da cultura”.

De acordo com a APR, nas reuniões que o Governo teve com as estruturas, em 19 e 20 de maio, “admitiu rever alguns aspetos fortemente contestados pelas organizações, mas continuou a defender o essencial da sua proposta e das suas limitações”.

Também para a APR, as regras previstas para o novo subsídio para a suspensão de atividade “acentuam a fragilidade na intermitência em vez de proteger”.

“A conversão de ‘cachets’ em carreira contributiva tem valores de referência muito elevados, muito acima das baixas remunerações efetivamente pagas no sector. E o Governo recuou no prometido acesso ao subsídio por cessação de atividade para todos os trabalhadores independentes, com ou sem dependência económica de um empregador”, revela.

Para a APR, “falta um verdadeiro compromisso para acabar com a precariedade no setor, sem o qual este Estatuto não cumprirá os objetivos anunciados”.

“Na proposta apresentada pelo Governo, a nota introdutória demonstra uma inaceitável aceitação de décadas precariedade no sector, nomeadamente quando é dito que ‘grande parte das atividades culturais se baseia em relações de trabalho com autonomia jurídica’. Esta aparente ‘autonomia jurídica’ resulta de práticas ilegais e tristemente generalizadas no setor, que empurram os trabalhadores para os falsos recibos verdes, quando deveriam ser celebrados contratos de trabalho”, alerta.

Também no final de maio, a SOS Arte PT, que representa artistas visuais, partilhou “preocupações que a proposta [do Governo] levanta”.

“Consideramos que o texto, na sua versão atual, carece de maior abrangência operacional, uma vez que, ao pretender abarcar a totalidade dos profissionais da cultura, não tem em conta, em diversos aspetos, as especificidades inerentes a cada um dos setores, nomeadamente, no que diz respeito aos profissionais das artes visuais”, referem em comunicado.

Tal como a Plateia, também a APR e a SOS Arte PT referem que vão apresentar propostas de alteração ao Estatuto, antes do dia 17 de junho.

Em 02 de junho, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, reforçou, no Parlamento, a disponibilidade do Governo para fazer alterações ao Estatuto dos Profissionais da Cultura.

“Estamos disponíveis para ajudar, alterar. Estamos todos muito a tempo de introduzir alterações. Temos em Portugal um momento histórico para aprovar um estatuto global para o setor da cultura. Trabalhemos em conjunto em vez de trabalhar para o espelho”, afirmou Graça Fonseca.

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