"Tento encontrar uma forma de trazer a nossa tristeza para a pista"

O NOS Primavera Sound arrancou na quinta-feira, com Tame Impala e Nick Cave a encabeçarem o palco principal. A liderar os palcos secundários do primeiro dia estiveram os Cigarettes After Sex, a banda de dream pop formada por Greg Gonzalez, que ao longo de dez anos se tornou num dos grupos alternativos mais ouvidos do mundo.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, antes do concerto que fechou o palco Cupra, Gonzalez refletiu sobre o percurso da banda, o seu demorado processo criativo e o impacto de uma longa digressão na sua música – bem como sobre o ‘alívio’ que a pandemia também trouxe.

Os Cigarettes After Sex voltaram assim a Portugal, depois de terem passado pelo NOS Alive e pelo Vodafone Paredes de Coura, nos anos anteriores à pandemia, e o fundador do grupo também admitiu que os palcos portugueses têm “um lugar muito especial” no seu coração.

Em 2022, comemoram dez anos do lançamento do primeiro EP, o ‘I.’. Como é que se sente, olhando para trás e para esta nova ronda de concertos?

É um sentimento bizarro, sinto que é difícil de processar a pessoa que eu era e a pessoa que sou. Estou sempre a contar a história desse primeiro álbum, que é muito boa. Tentámos gravar algumas músicas numa noite – e foi tudo ao vivo, não houve edição – e foi quando a banda realmente nasceu, durante a noite, quando eu consegui juntar todas estas influências que tinha, influências profundas, de uma forma que fizesse sentido, que se parecesse comigo. Tudo antes disso eram coisas que eu gostava e eram fixes, mas nunca senti nada de especial. Foi incrível isso ter acontecido e ter-se tornado relativamente consistente, o som nunca mudou muito.

Mesmo que nós não lancemos música nova –  e nos últimos dois anos não lançamos nada – vemos as coisas a crescer, aindaAs pessoas encontraram a vossa música na internet pouco depois de 2012, mas o estilo nunca se alterou. Porque é que acha que se mantem o interesse no mesmo som e sonoridade?

Quando comecei a escrever a música, era obviamente baseada em experiências pessoais e estava sempre a pensar porque é que a música é mais ouvida em espaços fechados, e o que é que a música tem que perdura ao longo do tempo. E parece-me que é por ter algo que toca a todos: romance, relações, e o tema do amor. Eu só queria explorar essas coisas e acho que é por isso que, ano após ano, mesmo que não lancemos música nova – mesmo agora, nos últimos dois anos não lançamos nada – vemos as coisas a crescer, ainda. Acho que é só isso, as pessoas estão a ter as mesmas experiências e vão tê-las sempre, até ao fim dos tempos.

Mencionou numa entrevista que demorou dois anos a escrever uma música, entre a melodia e a letra. O último álbum foi lançado em 2019, portanto em que fase do processo criativo se encontra?

Estou numa fase a que chamo deserto, ‘wilderness’, e ainda não saí dela. Mas o que aconteceu em 2012 foi que eu acabei aquele álbum, e pensei: ‘Finalmente terminei algo que sabe bem e que não quero apagar e atirar ao lixo’ [risos]. Mas depois de fazer isso, percebi que é muito difícil continuar algo tão bom, encontrar algo tão bom. Comecei várias ideias diferentes, e nada estava a fazer sentido durante quase três anos. Ainda estava a escrever músicas, mas foi preciso ir a Nova Iorque, ter essa viagem, para tentar gravar algumas músicas novamente.

Não saíram bem no estúdio, e pensei que devia regressar ao sentimento do EP, e foi assim que gravei o ‘Affection’ [o primeiro single do último álbum]. Por acaso, há algumas músicas dessa sessão que não foram lançadas, talvez as lance um dia e há algumas ‘covers’ também. Temos coisas no cofre, mas não sei quando será a altura certa para as mostrar.

Mas voltando à questão, foi assim durante os três anos de intervalo entre o primeiro EP e o ‘Affection’, em que estava a escrever muita música, estava a ter todas estas ideias, estava muito inspirado, mas as coisas que estava a fazer não me pareciam estar a atingir a fasquia especial que têm de atingir. E desde a Covid-19, tem sido a mesma coisa, temos gravando muito, tentado em várias sessões. Sei que há músicas boas nelas, mas tem de haver uma faísca, tem de haver um brilho no som, na música ou no sentimento da performance e sinto que ainda não encontrei isso. Mas sei que estou no caminho certo, só foi preciso muito trabalho para voltar.

E qual é a percentagem entre o que sai e o que deita ao lixo?

Há muita coisa que não sai. Diria que 5% de todas as coisas são publicadas, porque estou a escrever a toda a hora, todo o tipo de músicas. É por isso que somos tão picuinhas com o que lançamos, e eu gosto de álbuns curtos, gosto de singles, de EPs, de trabalhos mais curtos. Para nós, acho que o som condiz melhor assim.

Tento encontrar uma forma de trazer essa tristeza, essa doçura e romance para a pista, e é por isso que tem sido muito difícil de criarVê-se a sair deste estilo mais calmo e melancólico?

Temos experimentado músicas mais longas, e poderá acontecer à medida que o tempo continua, mas nesta próxima fase queria manter o sentimento e a atmosfera da banda.

Mas agora o ‘groove’ vai ser mais concentrado. Isto soa estranho, mas é como pegar no som dos Cigarettes e colocá-lo numa pista de dança moderna. A música para mim é sempre de dança, mas será música de dança do final dos anos 50, início dos anos 60, esse tipo de som, em que uma banda estaria a tocar e estariam pessoas a dançar com parceiros. Agora toda a gente tem a sua cena, há parceiros mas há pessoas a dançar sozinhas em discotecas. Eu tento encontrar uma forma de trazer essa tristeza e essa doçura e romance para a pista, e é por isso que tem sido muito difícil de criar, porque quando tentas fazer algo ‘dançável’, podes perder esse carinho e as coisas que nos tornam bons.

É provável que todos os jornalistas tenham perguntado isto a todos os músicos, mas como é que a pandemia influenciou a sua música e como tem sido voltar a fazer uma tour internacional?

Parece estranho dizer isto, porque a Covid-19 foi horrível para tantas pessoas, mas para mim, como estávamos em digressão há tanto tempo à conta do sucesso das músicas anteriores – e que foi como um sonho tornado realidade na altura -, isso começou a durar demasiado tempo. A loucura disso tudo estava a assentar, e eu nem me apercebi do ritmo.

Portanto acho que a Covid me salvou de ficar demasiado preso a esse ritmo, foi possível perceber que estava muitas vezes infeliz nas ’tours’ porque não estava a escrever. Estava a ficar pior também, não estava a cantar e a atuar tão bem, o meu cérebro estava à nora, o que acontece quando viajas tanto. Para escrever e gravar preciso de muito tempo e não tinha isso na digressão, portanto a Covid atrasou isso.

O que aconteceu também foi que eu estraguei-me tanto por não escrever durante tanto tempo, por cometer erros a cantar, por toda a minha saúde mental não estar bem, que demorei anos a voltar a esse ritmo. Agora, sei o que fazer em digressão: só estaremos em digressão um mês, e depois voltamos a trabalhar no estúdio. Antes, antes de termos um mês de folga, estivemos ao longo de quatro anos em digressão e isso é louco. Portanto agora sei equilibrar melhor e esta ’tour’ tem sido inacreditável.

Por falar em digressões, vi que foram ao Egito há poucos dias. Como é que foi essa experiência e como é que a vossa música foi recebida, visto ser uma sociedade completamente diferente?

É engraçado, acho que foi a nossa primeira vez no Médio Oriente, mas achei que os públicos que vimos parecem unificados. Parecem pessoas que se conheceriam, se não vivessem em cidades diferentes. Foi a mesma coisa, saímos e eles estavam a cantar as músicas muito alto, o que foi incrível, toda a gente gostou de cantar. Toda a gente estava louca pela música, são apaixonados, e foi uma experiência espetacular. Sabíamos que eram fãs de longa data e essa foi a experiência que vemos com estes últimos espetáculos, toda a gente a cantar e aos abraços. Foi muito especial e foi um espetáculo muito íntimo, a sala era tão grande como este ‘lobby’, era um clube de jazz. Tenho a certeza que voltaremos lá.

Vocês costumam tocar em grandes festivais – em Portugal, já passaram pelo Alive e por Paredes de Coura. Que cenário preferem, em grandes palcos de festivais ou em salas e concertos mais íntimos

Cresci a ir a concertos de metal. Quando era mais novo, vi Pantera, Megadeth, coisas assim, portanto acho que gosto desde miúdo de ver um concerto a partir do chão, numa multidão desordeira a ter uma experiência doida. Acho que gosto que os nossos espetáculos sejam como um concerto de rock, apesar da música ser mais macia. E isso aconteceu naturalmente: por algum motivo, começamos a tocar estas músicas calmas, pensarias que o público estaria descontraído, mas às vezes parece ser um motim. Em Atenas foi assim, o público foi tão ensurdecedor.

Lembro-me de ter essa experiência em Paredes de Coura numa das vezes que fomos, em que o público era muito grande e muito barulhento, a cantar as músicas muito alto. Foi tão bom, quando voltamos aos bastidores abraçamo-nos tanto. Portugal tem um lugar muito especial no meu coração.

Hoje [dia 9] vão atuar antes da meia-noite, e depois de Nick Cave. O vosso plano e do Nick é deixar toda a gente a chorar?

Claro! [risos] Fizemos digressão com o Nick Cave nos Estados Unidos, em quatro espetáculos, incluindo no Barclays Center (Nova Iorque) e no Fórum (Los Angeles), ele levou-nos a esses concertos e foi muito carinhoso em ter-nos a acompanhá-lo. Foi bom ver esse concerto todas as noites, ver como ele controla a multidão. Será bom vê-lo novamente se tivermos a oportunidade.

Os Tame Impala também são muito bons. É engraçado, tocámos há pouco no Primavera Sound de Barcelona e eles tocaram ao mesmo tempo, portanto não os pudemos ver. A Sky Ferreira também vai tocar, vai ser bom vê-la.

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