“Mundo”, o novo livro da poeta, editado pela Assírio & Alvim chega hoje às livrarias.
Para a escritora, que também traduz literatura, “a primeiríssima exigência de um tradutor é ter uma imensa paixão pela sua língua”.
“Quando estamos muito apaixonados por alguém, queremos conhecer muito bem a pessoa, saber tudo sobre a pessoa. O que fizeste quando eras criança, onde é que andaste, tudo, tudo, tudo. Estando apaixonado pela nossa língua, queremos saber tudo sobre ela. Ao querermos saber tudo, conhecemo-la muito bem. É ouvindo-a e também lendo-a. Essa é a primeira exigência de um tradutor”, concretiza.
Em segundo lugar, “vem conhecer muito bem a outra língua, e o contexto em que a outra língua é produzida”.
Em entrevista à agência Lusa, diz que não traduz a sua própria obra, “em primeiro lugar”, porque que a sua tradutora, Margaret Jull Costa, “é a melhor do mundo”, tendo já traduzido autores como José Saramago, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa, Javier Marías e José Régio.
Por outro lado, não tem “distanciamento suficiente” em relação à sua poesia.
“No fundo, eu visto o poema com as roupas do meu país. Transformo o poema em algo que seja português. (…) No caso de eu passar a minha poesia para inglês, o que acontece é que o meu domínio da língua, de todas as nuances que existem na língua inglesa, não é total”.
Nos casos em que traduziu para inglês, fê-lo “com a Margaret”, como com Mário de Sá Carneiro, mas a sua própria obra é um limite que não ultrapassa.
“Eu tenho com a minha própria poesia uma proximidade perigosa. Sinto que é perigoso eu estar a tentar traduzir. É a mesma coisa que pedir-me para analisar um poema meu. É muito difícil. Eu posso falar-lhe das circunstâncias do poema, porque é que o escrevi, como escrevi. Isso eu posso facilmente falar-lhe. Agora, analisar, como analisaria um poema de Emily Dickinson, é muito difícil. Isso eu deixo para os críticos”.
A autora confessa que já ficou desiludida com uma tradução para francês de “O excesso mais perfeito”, em que “quero um poema” foi transformado em “quero escrever um poema”, que foi justificado com “o velho argumento do clássico francês”, que é “não se pode dizer isso” naquela língua.
“Mas eu compreendo, cada língua tem os seus limites e a sua música”.
Ainda assim, considera que “as subversões, por vezes, na outra língua para a qual se traduz, têm de aparecer, podem é aparecer noutro sítio”.
E dá o exemplo do “Soneto 138” de Shakespeare, que traduziu, em que “ele brinca com o ‘lie’ de estar deitado e mentir”.
Para esse caso, a solução que encontrou, e que a deixou “feliz, às quatro da manhã, foi: ‘com ela me deleito, mentindo, e ela comigo,/ E, a mentir nossas faltas, em deleite existimos”.
“As línguas têm os seus limites, o que acontece com a poesia é que a poesia joga com esses limites. Mas há um limite que ela não pode ultrapassar, sob o risco de cair no ridículo ou na incompreensibilidade total”.
Nascida em Lisboa, em abril de 1956, a escritora e professora universitária Ana Luísa Amaral, tradutora de romancistas e poetas, vive em Leça da Palmeira desde os 9 anos e tem recebido múltiplas distinções ao longo da carreira, sendo as mais recentes o Prémio Vergílio Ferreira, da Universidade de Évora, o galardão espanhol Leteo, da Direção de Ação e Promoção Cultural de Leão, e o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana, que reconhece o contributo significativo de uma obra poética para o património cultural deste universo.
Doutorada em Literatura Norte-americana pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde foi professora, Ana Luísa Amaral tem dezenas de títulos de poesia publicados, desde “Minha Senhora de Quê” (1990), além de já ter escrito teatro, ficção e vários livros para a infância.
A sua obra encontra-se traduzida e publicada em várias línguas e países, tendo obtido numerosas distinções, como o Prémio Literário Correntes d’Escritas, o Premio Letterario Poesia Giuseppe Acerbi e o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores.
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