“Há muita gente a viver em péssimas condições, em estritas condições de sobrevivência, no limite, e com enormes problemas para ultrapassar” a situação, afirmou, referindo-se à interrupção da atividade artística, devido às medidas decretadas para conter a pandemia de covid-19.
Para José Jorge Letria, o principal problema é a precariedade. A SPA tem defendido a criação do estatuto profissional do artista, que espera ver aprovado em breve e com o qual pretende conferir proteção aos artistas.
“O que posso dizer sobre estas pessoas, em geral, e são milhares, é que estão dispersas pelo país e a pandemia atingiu-os violentamente”, indicou, acrescentando a este cenário os músicos que atuam em bares: “O grande problema que se coloca a estas pessoas e que pandemia veio agravar é o estatuto da precariedade”.
“A maior parte destas pessoas que têm pequenos contratos e vão atuando em bares, em palcos regionais, dependem muito do vínculo precário de uma atuação, de um evento, um fim-de-semana, o fim-de-semana seguinte. A grande questão que se coloca e para a qual a SPA chamou várias vezes a atenção nos últimos anos é a necessidade da criação de um estatuto do artista, que defina as condições de proteção, desde logo as condições fiscais e as condições de vínculo laboral a uma instituição que os proteja, porque de outro modo não têm proteção”, defendeu.
À SPA chegam frequentemente pedidos de ajuda de quem já passou por várias portas encerradas, artistas que, privados do palco, procuraram trabalho em cafés e restaurantes, mas também aí voltaram a ficar com a vida suspensa pelo confinamento.
“Quando digo que é uma situação dramática sei o que digo, porque é uma situação com a qual lidamos regularmente e às vezes aparecem-nos pedidos e apelos ansiosos e desesperados do ponto de vista psicológico”, sublinhou Letria.
A SPA tem procurado responder a muitas das situações que lhe chegam, através de mecanismos de apoio solidário: “Apoiamos todos aqueles que têm condições estatutárias para serem apoiados, o importante é que tenham condições para serem aceites e estarem inscritos como autores e, portanto, são muitos”.
De acordo com os números que facultou à Lusa, a SPA concedeu no último ano (de março a março), apoios globais de quase dois milhões de euros. Através do Fundo Cultural apoiou “largas dezenas de projetos”, disse o presidente da instituição.
A candidatura a estes apoios depende do vínculo à SPA e das condições de serem aceites como beneficiários e depois como cooperadores ao fim de algum tempo, explicou. “Mas é uma situação dramática, que me faz ter as maiores apreensões em relação àquilo que vai vir a seguir”.
Da parte do Governo, José Jorge Letria espera que a ministra da Cultura, Graça Fonseca, faça avançar o estatuto profissional do artista. “Enquanto a precariedade não for combatida a esse nível, eles não têm qualquer proteção”, reiterou.
Para regularizar a situação é fundamental “o regresso do público”, já que sem isso a oferta cultural “não é sustentável”, admitiu Jorge Letria, para quem os artistas estão hoje numa situação de “grande vulnerabilidade” e a oferta cultural “muito enfraquecida”.
“A maior parte destas pessoas hoje, com a viola debaixo do braço, vivem da precariedade que a pandemia também instaurou nas várias regiões e a situação deles é muito semelhante à situação vulnerável dos técnicos. São pessoas que não têm sequer condições para comer e estão a viver em condições dramaticamente precárias”, revelou.
Muitos procuraram transitoriamente trabalho na restauração, mas também na construção civil.
“Há gente que foi para a construção civil e alguns emigraram, pela via da construção civil, porque a construção civil, apesar de tudo, tem tido trabalho, tem tido algum horizonte laboral, e por isso eles recorrem a isso. Agora os que procuraram solução e a salvação em restaurantes, por exemplo, com o confinamento e com o encerramento desses espaços, ficaram também sem soluções”, lamentou.
“Durante anos tivemos reuniões com o Ministério da Cultura, reivindicando a criação desse estatuto, que é um estatuto que vincula estes criadores/recriadores, que são autores e são artistas ao mesmo tempo, que lhes dá proteção e a proteção tem de ser ampla e alargada, tem de ir desde a fiscalidade até ao aspeto assistencial”, insistiu.
De acordo com José Jorge Letria, o segundo confinamento não veio melhorar a situação nos últimos meses e é preciso agora haver condições “para o público respirar fundo” e conseguir voltar aos hábitos de consumo e de partilha com os artistas. “Sem isso não há normalidade”, declarou.
“Quando a vida artística depende muito dessa mobilidade precária dos artistas em palcos de província, em bares, em restaurantes, muitos deles a tentarem conseguir as condições materiais que lhes permitam gravar um primeiro disco ou criarem a sua formação musical, enquanto isto não for conseguido eles estão extremamente vulneráveis”, assumiu o presidente da SPA.
José Jorge Letria, que integra a direção do Grupo Europeu das Sociedades de Autores em Bruxelas, manifestou-se apreensivo em relação ao futuro, até por ver que este “drama” é vivido por outras sociedades na Europa.
“É uma situação que vai levar muito tempo até ser ultrapassada”, considerou.
“A SPA está preocupada e atenta. Bateu-se pela criação do estatuto profissional do artista, fizemos tudo o que está ao nosso alcance e temos os mecanismos de apoio solidário que têm sido postos em prática ao longo deste ano, de março de 2020 a março de 2021, mas são largas centenas de artistas e autores também que estão afetados por isto e nós vamos estar atentos para ver quais são as condições de regresso deles à normalidade, à normalidade possível, não à normalidade desejável, mas à normalidade possível”, declarou, frisando que espera respostas ao nível do poder político.
Questionado sobre a importância dos artistas que atuam nos arraiais portugueses e se devem ser apoiados José Jorge Letria respondeu: “Claro que sim! A vida cultural e artística é uma atividade muito plural e muito diversificada e portanto todos eles são importantes, porque mesmo estas animações locais em palcos de província e às vezes em pequenos locais, no bar onde se toca e se canta, tudo isso são atividades e ofertas culturais e artísticas que são essenciais até para a coesão psicológica das comunidades, que dependem também desta partilha, porque a cultura é um fator essencial de estabilidade e de coesão, de estabilidade e de integração e quando isto falha, falha quase tudo o resto”.
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