No final de agosto de 2020, Fernanda Mira Barros anunciou o fecho da Cotovia, em pleno período pandémico, uma decisão “ponderada” e “definitiva”, recorda a editora, que seis meses depois permanece aberta apenas por “razões burocráticas”.
Uma dessas razões é tratar do “destino a dar a um ‘stock’ de livros excelentes, não datados, publicados ao longo de 35 anos com dedicação, cuidado e consciência do seu valor para a cultura do país”.
É o caso da coleção de Poesia, uma das quatro coleções emblemáticas da editora — Prosa, Ensaio, Teatro e Poesia — que “foi agora adquirida pela Livraria Poesia Incompleta”, uma livraria “praticamente única no mundo, por ser dedicada inteira e exclusivamente à poesia”.
“Uma coisa tão rara, tão preciosa como a Livraria Poesia Incompleta deveria vir em todos os roteiros de Lisboa e de Portugal, deveria ser uma alegria, um lugar de visita frequente, um assunto de conversa: Como é possível que um só homem, o dono e livreiro da Poesia Incompleta, tenha feito sozinho, e mantenha, num país onde se lê o que sabemos, uma livraria assim?”, considera Fernanda Mira Barros.
A coleção de poesia, iniciada nos anos 1980, inclui traduções de poetas como Paul Clean, Antonio Machado, Jaime Gil de Biedma, Adrienne Rich, Luis Cerrnuda, Josef Brodskii, Edmond Jabès, Hans Magnus Enzensberger, Francis Ponge e Philip Larkin.
Mas esta coleção é apenas parte do ‘stock’ da Cotovia, permanecendo desconhecido o destino das restantes coleções e edições.
No inicio de dezembro, a companhia de teatro Artistas Unidos, que em parceria com a Cotovia editava os “Livrinhos de Teatro”, anunciou uma nova parceria com a Livraria Snob, que passou a editá-los.
A editora Livros Cotovia foi fundada em 1988, por André Fernandes Jorge (1945-2016), com seu irmão, o poeta João Miguel Fernandes Jorge, que abandonou o projeto editorial pouco tempo depois.
Ao longo de mais de 30 anos, a editora ultrapassou os 700 títulos, de 350 autores, “todos eles relevantes”, para “um público leitor que sabe o que quer”, como escreve no seu ‘site’, e todos eles detentores de uma identidade própria, marcada, na sua maioria, pela imagem gráfica original, desenhada pelo cineasta João Botelho.
Os portugueses A.M. Pires Cabral, Teresa Veiga, Daniel Jonas, Luís Quintais, Paulo José Miranda, Jacinto Lucas Pires, Eduarda Dionísio, Luísa Costa Gomes constam do catálogo da Cotovia, assim como o angolano Ruy Duarte de Carvalho e os brasileiros André Sant’Anna, Bernardo Carvalho, Carlito Azevedo e Marcelo Mirisola, entre muitos outros autores de língua portuguesa dos dois lados do Atlântico.
Martin Amis, Virginia Wolf, Roberto Calasso, Doris Lessing e Natalia Ginzburg estão entre os autores traduzidos ao longo dos anos pela Cotovia, assim como John Milton, Robert Louis Stevenson e Arthur Schnitzler.
“Responsável pela edição, pela primeira vez em língua portuguesa, de vários autores de renome internacional, e também pela descoberta e promoção de alguns autores rapidamente reconhecidos como os ‘novos’ da literatura portuguesa, a Cotovia é ainda uma das raras editoras que em Portugal publica regularmente textos dramáticos (portugueses e em tradução)”, descreve, na apresentação que a Cotovia mantém no seu ‘site’.
Nas coleções de Ensaio, Ficção, Poesia encontram-se autores como Paul Celan, Iosif Brodskii, Luis Cernuda, Doris Lessing, Eric Rohmer, Reiner Werner Fassbinder, Thomas Bernhard, Christa Wolf, José Ortega y Gasset, Simone Weill, Victor Aguiar e Silva, João Barrento e Jorge de Sena.
Na coleção de clássicos gregos e latinos, a Cotovia publicou Homero, Virgílio, Ovídio, Apuleio, Petrónio, Horácio, entre muitos outros, fazendo com que os seus títulos chegassem ao público em geral, acompanhando-os ainda de estudos e ensaios.
Após a morte do fundador, em 2016, a direção editorial dos Livros Cotovia ficou entregue a Fernanda Mira Barros, que fazia parte da equipa há mais de 20 anos. Licenciada em Línguas e Literaturas Inglesa e Alemã, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Mira Barros fora responsável pela criação do ‘blog’ da Cotovia, em 2011.
Em fevereiro de 2020, a Cotovia anunciou o encerramento da sua loja, na rua Nova da Trindade, em Lisboa, situada no edifício projetado por Raul Lino, que acolhera a histórica Livraria Opinião, na década de 1970.
O encerramento da loja foi então marcado para 13 de março, poucos dias antes da declaração do estado de emergência, por causa da pandemia. Na altura, a editora transferiu a venda de livros para o seu ‘site’.
O catálogo continua disponível na página ‘online’ e é possível ainda comprar livros por encomenda através do email da editora.
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