“O foco deste disco são os sopros. Continuam os sintetizadores, mas do ponto de vista instrumental puro dei um foco maior aos sopros. É um disco com uma ligação forte com a tradição oral, como todos os outros, nesta lógica da música circular, e tem uma ideia, em termos sonoros, muito mais próximo do jazz”, explica o músico à Lusa.
Editado pela Discos de Platão, o terceiro de quatro tomos de “The Ever Coming” retoma algumas das linguagens já habituais no trabalho de Rui Souza, introduzindo-lhe a aproximação ao jazz.
O projeto acompanha, de alguma forma, a própria história de vida do artista que começou por estudar música clássica e piano, antes de seguir para o jazz. “A tetralogia também representa este caminho que fui percorrendo, as linguagens que fui absorvendo”, atira.
Continuando na senda de “instrumentos relacionados com a ideia de veneração e exaltação”, da voz a sintetizadores, o disco mantém a ideia da tradição oral, sobretudo do Alto Minho, com particular ênfase em “Labrador do Minho”, que nem estava para entrar no disco.
“Não sei porquê, mas recolhi muitas ‘boiadas’. Isto é uma ‘boiada’, canta-se quando os bois estão a lavrar a terra. Durante as residências, dava por mim sempre a cantar, pela melodia que tem. (…) Coincidiu com uma fase que ouvia muita música de influência cigana. Em termos de escalas fez sentido”, comenta.
Esta “mistura da tradição oral com a eletrónica” é não só um objetivo, adianta, mas “um desafio que se quer sempre tentar superar”.
Se o primeiro disco tem “mais os pés no chão” e, o segundo, trabalhando a voz como instrumento, é “sobre a ideia de veneração e olhar para cima”, então “Cosmophonia” trabalha “o estar lá em cima, no espaço, no ‘não-espaço’, num ‘não-lugar’ e ‘não-tempo'”.
“O disco é essa ideia de nos imaginarmos lá em cima”, resume o músico à Lusa.
O conceito de música circular, “de uma repetição, um ‘loop’, que causa uma espécie de tontura”, é algo que Rui Souza/Dada Garbeck tenta imprimir em cada álbum, mesmo que essas repetições, diz, sejam todas interpretadas: “Não há ciclos iguais”, isto é, todas as voltas que surgem nas faixas são tocadas, mesmo que pareçam iguais.
Para a frente, e como a tetralogia foi pensada como um todo “desde o início”, a toada autobiográfica vai manter-se no encerramento de “The Ever Coming”.
“O meu instrumento principal, apesar de andar mais dedicado a sintetizadores e ao órgão, é o piano. Foi o que estudei a vida toda. (…) O quarto disco vai ser um regresso, ao fim de 10 anos. Será um disco só ao piano – a ideia é esta -, com divagações sobre todo este trabalho que fui fazendo como Dada Garbeck”, revela.
Essa síntese, uma imagem que vê como adequada para o quarto álbum, é também uma reconciliação com esta “espécie de amor ódio” com o piano, após uma fase em que se chateou “com ser pianista, com aquele mundo”.
A pandemia de covid-19 afetou a normal apresentação do segundo e, agora, também do terceiro disco da tetralogia, pelo que poderá ainda atrasar o encerramento para 2023 do projeto, embora esteja planeado para 2022, mantendo a toada de um por ano.
Leia Também: Bernardo Moreira volta à música de Carlos Paredes em novo álbum