Esta participação de Gio Lourenço, nascido em Angola em 1987, que veio para Portugal na infância, nos anos de 1990, resultou de um convite da arquiteta holandesa Afaina de Jong, cujo estúdio criativo — Afarai -, com base em Amesterdão, trabalha nas áreas de estratégia de design.
“A Preta”, baseada nas memórias de Gio Lourenço quando era criança e vivia no Bairro do Fim do Mundo, em Cascais, encerra uma vivência intensa do artista, que tinha de percorrer diariamente um caminho entre casa e a escola, enfrentando, nesse percurso, uma temível cadela preta.
O projeto do Pavilhão dos Países Baixos, instalado nos Giardini, tem por título “Who is We?”, é comissariado por Guus Beumer, diretor do Instituto Het Nieuwe, tem curadoria de Francien van Westrenen, do mesmo instituto, e os responsáveis pelo projeto expositivo são Afaina de Jong e Debra Solomon.
Entre as obras inseridas no projeto expositivo do Pavilhão dos Países Baixos, na Bienal, estará “A Preta”, não em ‘performance’ ao vivo, mas em vídeo.
“Olhando para o Bairro Fim do Mundo, um bairro de cabo-verdianos, são-tomenses e alguns angolanos, eu recordo essa caminhada diária entre o território da casa e em direção à escola. Era um medo que eu tinha, de enfrentar essa cadela, um animal simbólico que separava dois mundos, até no plano arquitetónico”, explicou, em entrevista à agência Lusa.
Devido à pandemia, a organização da bienal pediu para não serem apresentadas ‘performances’ ao vivo, disse Gio Lourenço à Lusa, indicando que teve de adaptar “A Preta”, de 15 minutos, ao formato vídeo, originalmente com música de Luís Fernandes, cenografia de Francisco Vidal, e fotografia de Sofia Berberan, também responsável pela consultoria artística.
“Quando me fizeram o convite para participar na Bienal de Veneza, eu fiquei estupefacto, não esperava nada. Fiquei muito contente, sem palavras. É muito prestigiante”, comentou à Lusa, sobretudo porque, como sublinhou, depois do contacto com os criadores holandeses para apresentar “A Preta”, o trabalho conjunto tem tido continuidade.
Gio Lourenço, que ganhou uma bolsa de jovem criador do Centro Nacional de Cultura, e fez um estágio no CEM – Centro em Movimento, criou a performance “A Preta”, baseada nas memórias de infância, como trabalho final, que apresentou em 2017, no espaço Hangar, em Lisboa.
A ‘performance’ foi sendo transformada, e readaptada, através de colaborações de outros artistas, da área da música, cenografia e fotografia, nomeadamente de Francisco Vidal, Luís Fernandes e Sofia Berberan. Viria a ser apresentada em Elvas, no Festival A Salto, e também no Festival Periferias, no ano seguinte.
O encontro com Afaina de Jong aconteceria em 2019, quando a arquiteta holandesa fez uma residência em Lisboa, para apresentar um projeto no espaço Eritage, intitulado “Space of Other”, uma instalação espacial e ‘performativa’ que explora as relações entre o espaço e a identidade, no contexto das cidades gentrificadas.
No seu trabalho, Afaina de Jong assume-se como “uma artista de prática feminista que encoraja a mudança social inspirada na representação de movimentos culturais tradicionalmente não representados na arquitetura”, segundo uma descrição do seu estúdio, em Amesterdão.
Ator residente do Teatro Griot, em Lisboa, Gio Lourenço faz parte do elenco do espetáculo da companhia “O Luminoso Afogado”, uma adaptação da obra de Al Berto, que deverá ser apresentada a 27 de maio, no Fórum Cultural José Manuel Figueiredo, na Moita, distrito de Setúbal.
O ‘performer’, bailarino e ator tem realizado colaborações na área do cinema, nomeadamente no elenco da curta-metragem “Arriaga”, do realizador guineense Welket Bungué, que esteve em competição nacional do Festival IndieLisboa, em 2019.
Também participou no filme luso-angolano “A Ilha dos Cães”, de Jorge António, e no documentário “O Lugar que Ocupas”, de Pedro Filipe Marques.
Tem trabalhado com criadores multidisciplinares como Rogério de Carvalho, Zia Soares, Mónica de Miranda e João Fiadeiro, entre outros.
A Bienal de Arquitetura de Veneza abrirá portas a 22 de maio, com regras de segurança para conter a pandemia, e um programa expandido de exposições, publicações, encontros, espetáculos e transmissão da instalação dos pavilhões nacionais.
Apesar da situação difícil que Itália enfrenta atualmente, em contexto pandémico, a organização decidiu avançar com a realização desta edição da bienal – a 17.ª Exposição Internacional de Arquitetura -, forçada ao adiamento de 2020 para este ano, e que deverá decorrer até ao próximo dia 21 de novembro.
Portugal vai ser representado oficialmente através de um projeto criado pelo ateliê depA, coletivo do Porto, cujo programa será composto por um ciclo de debates a realizar entre Veneza, Lisboa e Porto, já iniciado, e uma exposição subordinada ao tema “In Conflict”, a apresentar no Palácio Giustinian Lolin, em Veneza.
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