Amanda Gorman, de 23 anos, tornou-se, assim, a mais jovem oradora na tomada de posse de um presidente dos Estados Unidos da América, e a sua notoriedade fez com que vários países demonstrassem interesse em traduzir a sua obra, um processo que não se tem revelado fácil, devido à dificuldade de escolha do tradutor.
Em Portugal, o poema ‘The Hill We Climb’ já havia sido traduzido pela poeta Raquel Lima e publicado pela Casa Fernando Pessoa.
Hoje, a editorial Presença anunciou que, ao longo deste ano, vai publicar os três livros de Amanda Gorman — dois títulos de poesia, em edição bilingue, e um livro infantil ilustrado —, que contarão com tradução de Carla Fernandes, tradutora, jornalista e programadora cultural.
Com prefácio de Oprah Winfrey, ‘The Hill We Climb’ chegará às livrarias portuguesas no primeiro semestre de 2021.
Na ‘rentrée’, a Editorial Presença publicará o poemário ‘The Hill We Climb and Other Poems’ e ‘Change Sings’, um livro infantil ilustrado por Loren Long.
Jornalista, tradutora e produtora cultural, Carla Fernandes é natural de Angola, mas foi em Portugal que cresceu e estudou, dedicando-se, desde 2005, a temas relacionados com comunidades africanas e afrodescendentes, em Portugal e na Alemanha, segundo a informação disponível no seu perfil profissional.
Em 2015, fundou a Afrolis – Associação Cultural, organização voltada para promoção da expressão cultural e construção de novas narrativas identitárias de afrodescendentes através da identificação, investigação e partilha de conhecimento.
A tradução de Amanda Gorman tem estado envolta em alguma polémica relacionada com a escolha do tradutor, que começou em fevereiro, nos Países Baixos, com Marieke Lucas Rijneveld.
Prémio Booker Internacional, que se identifica como pessoa não-binária e por isso não usa os pronomes masculinos ou femininos, desistiu de traduzir Amanda Gorman para holandês, após um grito de protesto que eclodiu nas redes sociais, e a que a jornalista e ativista cultural negra Janice Deul deu palco mediático, ao escrever um artigo de opinião no jornal holandês De Volkskrant, no qual se inquietava com a possibilidade de “uma tradução branca para a poesia de Amanda Gorman”, uma “escolha incompreensível”.
Para Janice Deul, era “uma oportunidade perdida”, a escolha de alguém sem experiência na tradução e que não fosse “artista de ‘spoken-word’, jovem, mulher e assumidamente negra”, já que Marieke Lucas Rijneveld é “branca, não-binária e não tem experiência neste campo”, noticiou na altura a AFP.
O convite partiu da editora Meulenhoff, que considerou que Marieke Lucas Rijneveld era “a pessoa de sonho para fazer a tradução” e que, mesmo depois de aceitar a decisão da autora de se afastar, reiterou que mantinha a sua escolha.
De acordo com o jornal The Guardian, a editora holandesa garante que foi a própria Amanda Gorman a escolher Marieke Lucas Rijneveld, de 29 anos, para traduzir as suas palavras.
No mês seguinte, uma situação semelhante aconteceu com o escritor catalão Victor Obiols, que foi afastado da tradução do poema ‘The Hill We Climb’, de Amanda Gorman, por não ter o “perfil” adequado.
“Disseram-me que eu não era adequado […]. Não questionaram as minhas qualidades, mas procuravam um perfil diferente, o de uma mulher, jovem, ativista, e de preferência negra”, disse Victor Obiols à AFP, referindo-se à decisão da editora catalã, que reconheceu à editora norte-americana o direito de definir as “condições que quiser” e a “pessoa certa” para traduzir.
Victor Obiols recebeu um pedido da editora Univers, de Barcelona, para publicar, em abril, uma edição bilingue inglês-catalão do poema ‘The Hill We Climb’, com um prefácio de Oprah Winfrey.
Victor Obiols aceitou com “grande entusiasmo” o convite de traduzir Amanda Gorman, porque gostou muito do que a ouviu recitar em Washington, e pela possibilidade de entrar no seu universo, contou então à Efe.
Já depois da tradução entregue, recebeu uma chamada da Univers para lhe perguntar se praticava algum tipo de ativismo, ao que respondeu fazer parte da PEN Catalã, que, entre outras atividades, “defende escritores perseguidos”, e da organização não governamental “Água para o Sahel”, com a qual se deslocou ao Burkina Faso, e recordou ainda que fez recitais de poesia negra africana em toda a Catalunha.
Ainda assim, o editor foi informado pelos Estados Unidos de que Obiols “não era a pessoa certa”, contou o escritor, afirmando desconhecer se a rejeição partiu do editor da versão original ou dos agentes da jovem poeta afro-americana.
“É um assunto muito complexo que não pode ser tratado de ânimo leve. Mas se não posso traduzir uma poeta porque ela é uma mulher, jovem, negra, americana do século XXI, então também não posso traduzir Homero, porque não sou um grego do século VIII a.C., ou não poderia ter traduzido Shakespeare, porque não sou um inglês do século XVI”, acrescentou o escritor catalão.
Amanda Gorman junta-se agora ao catálogo da Editorial Presença, que conta já com nomes como Malala Yousafzai, Bana Alabed, Greta Thunberg e, mais recentemente Gitanjali Rao, a primeira vencedora do Prémio “Kid of the Year” da revista TIME, reforçando a aposta da editora em novas e inspiradoras vozes femininas, nas mais variadas áreas de atuação, destaca a editora.
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