‘Primeiros a fechar e últimos a abrir’ pedem atenção e mais união

 

Ao longo de conversas com alguns produtores portugueses de techno, foram diversas as ocasiões em que o lema ‘Primeiros a parar, últimos a abrir’ foi mencionado, acompanhado por críticas sobre alguma incompreensão do meio por parte da sociedade e, em consequência, do Estado.

“Nós acabámos por ser os primeiros a parar e devemos ser os últimos a abrir, e é uma coisa da qual ninguém fala. O único movimento que nos incorporou foi o dos restaurantes, que não [tem] bem os mesmos objetivos”, afirmou o DJ e produtor Marcos Ferreira, conhecido por Enko, que lamentou a “falta de representatividade” do setor junto da sociedade portuguesa.

Na entrevista à Lusa, Marcos Ferreira deixou um alerta: “Acho que esta pandemia veio pôr a nu essa falta de estrutura e de união [do setor]. A sequência de ‘gigs’ e de atuações acaba por esconder essa falta de estrutura e a pandemia veio mostrar que faz muita falta. Imagina, se isto acontece outra vez”.

“Temos de criar uma estrutura que nos permita fazer pressão para que [o Governo] perceba que há ali um problema que tem de ser resolvido. Se eles não souberem que há um problema, não vão estar a resolver nada. Não podemos estar à espera que eles de repente digam ‘E aquela malta da música eletrónica?’. Eles não sabem. Não estão a par em termos de números. Muitas vezes nem fazemos parte, por os projetos serem informais e não terem contabilidade”, disse Marcos Ferreira, destacando a precariedade de um setor pontuado pela informalidade, sem saber muito bem onde se encaixaria em termos das associações já existentes no domínio da música e das artes performativas.

Luís Gonçalves, conhecido como Lewis Fautzi, chamou a atenção para o facto de muitas vezes se ignorar a quantidade de pessoas que o setor do entretenimento noturno emprega e o retorno que gera à economia.

“E se os produtores pararem de produzir música, como é que é? Vamos andar a ouvir as mesmas músicas até ao fim da vida? As pessoas não pensam nessas coisas. Imagina, isto continua assim cinco anos, o próprio produtor vai deixar de produzir música. E começa tudo a deixar de fazer sentido. Os produtores de espetáculos? As pessoas não têm noção da quantidade de trabalhos que envolve. Um festival, quantas pessoas emprega?”, lembrou o DJ e produtor, que lamenta que “enquanto lá fora zelam pela noite, [porque] atrai turismo, dá dinheiro, aqui é ao contrário”.

João Rodrigues, que dá pelo nome de Temudo, realçou: “Não é querer vitimizar a nossa área, mas [fomos] os primeiros a parar e os últimos a regressar. E não há uma grande preocupação. Noto, pelo menos na opinião pública, um ânimo muito leve muito grande na forma como se trata esta parte audiovisual. Não sei se é por as pessoas associarem ao lazer, que acham que é uma coisa mais abstrata. Isto é uma indústria em que as pessoas são formadas, os técnicos têm todos um ‘background’ grande, em que Portugal já está ao nível europeu”.

Gustavo Lima, que tem o projeto A Thousand Details, lamenta que os governos não olhem para a atividade como uma “forma cultural”: “A verdade é que também faz parte da cultura de uma cidade, das pessoas, está lá. E não olhar para isso, o risco que corremos – e acho que todos estamos conscientes disso neste momento – é quantos clubes irão abrir depois disto?”

“Parece que o fenómeno da música eletrónica é uma coisa de outro planeta, mas não é. Já se tornou parte até da nossa cultura, não podemos dizer que é só lá fora. A música eletrónica está em todo o lado, desde o telejornal às coisas para crianças. Não é um fenómeno do estrangeiro nem nada disso e, como tal, tem de ser tratado como cultura, percebido e protegido”, realçou Marcos Ferreira.

Por seu lado, Artur Moreira, conhecido por Nørbak, lembrou a necessidade de apoiar os artistas, mas também as instituições que os acolhem na altura de fazer ouvir as suas criações.

A jusante, Artur Moreira realçou que, num momento de reabertura por parte dos clubes e discotecas, é importante que haja um maior destaque dos talentos nacionais: “Temos de nos ajudar todos uns aos outros”.

“Aqui em Portugal, uma coisa que estava a falhar imenso era o apoio à cena local. […] Espero que as coisas mudem. Já nem digo para mim. Digo que é importante para a nova geração que está a crescer agora. […] Porque senão temo que imensos artistas vão morrer, vão deixar de fazer música, vão seguir com as suas vidas, arranjar um trabalho das 09:00 às 17:00, e vão deixar a parte artística morrer. E é uma pena”, afirmou o artista.

Também João Rodrigues se mostrou “curioso” para ver se “quando as coisas arrancarem, os promotores e os grandes festivais de cada país não terão de jogar mais com a ‘prata da casa'”.

“Estou curioso [para ver] como é que vai ser essa gestão cá em Portugal, se poderá haver uma mudança deste paradigma de estar sempre, sempre a olhar lá para fora e se, por acaso, poderão olhar mais cá para dentro. Digo isto não naquele sentido nacionalista, mas porque a cena eletrónica portuguesa, nos últimos anos, mudou tanto e tem tantos artistas emergentes, que há muito por explorar”, afirmou o músico.

As discotecas estão encerradas desde 12 de março do ano passado. Na semana passada, o Governo anunciou que, como parte do “plano de desconfinamento”, vai ser possível realizar “grandes eventos exteriores e eventos interiores com diminuição de lotação”.

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