Questionada, em entrevista à Lusa, sobre as razões que a levaram a concorrer à direção e como pensa marcar a diferença neste espaço simbólico da história dos mais de 40 anos de ditadura e da Revolução dos Cravos, a ex-deputada do Partido Comunista Português (PCP) regressou ao que sentiu da primeira vez que entrou no Museu do Aljube, localizado junto à Sé de Lisboa.
“Estive cá dentro quatro horas e, quando saí, não era a mesma pessoa. Aqui é impossível chegar ao fim da exposição e ficar na mesma como quando se entrou, porque retrata um período que teve um impacto muito duro na vida de um povo, aliás, de vários povos. Mas também demonstra que, apesar de Portugal ter vivido a mais longa ditadura da Europa, foi possível derrotar essa ditadura”, disse a diretora do museu, de 38 anos, natural de Estremoz.
Ao percorrer pela primeira vez a exposição de longa duração, Rita Rato emocionou-se no percurso, tantas eram as pessoas que conheceu e as histórias que tinha ouvido. Quando chegou à parte da Revolução do 25 de Abril pensou: “Eu tenho obrigação enquanto cidadã, no século XXI, de continuar a resistir e a lutar. Porque, se estas pessoas fizeram isto e deram isto nestas condições, como é que eu, hoje, posso não o fazer?”.
Também sentiu que, mesmo que o museu provoque tristeza – pelas condições da prisão, pela tortura e humilhações, assassinatos de resistentes antifascistas ali expostos – ainda lhe dá mais vontade de criar iniciativas: “Sou uma privilegiada por conhecer esta História e estar aqui neste dia”.
O museu foi instalado em 2015 naquela antiga prisão, para promover a memória do combate à ditadura e à resistência em prol da liberdade e da democracia, e recordar toda a história desse período “duro” vivido por Portugal numa exposição de longa duração que descreve o fascismo, a resistência, a vida na cadeia, a luta anticolonial e a Revolução do 25 de Abril, ao longo de três pisos do edifício.
Quanto à diferença que pensa poder fazer no museu, responde que não se foca nessa perspetiva, preferindo pensar constantemente em quem mais pode chegar em termos de públicos, dos mais fiéis, aos das escolas, os estrangeiros, de passagem, e até aos menos prováveis.
“A forma como projetei o meu mandato foi no sentido de conseguir que mais pessoas venham conhecer este museu, porque é muito importante que conheçam as histórias e oiçam os testemunhos. Até podem ficar com vontade de recolher testemunhos de um familiar. Há muitos resistentes anónimos ainda vivos que não contaram as suas histórias”, lembrou, sobre os operários, funcionários e trabalhadores rurais desconhecidos que “de forma completamente desinteressada deram o melhor de si e também lutaram pela liberdade e melhores condições de vida”.
Rita Rato assume que “todos [têm] a obrigação democrática de chegar a mais pessoas, porque se trata da nossa História e do impacto tão duro que a ditadura teve num cenário de miséria, de atraso e de subdesenvolvimento do país” ao longo de décadas.
“Públicos improváveis se calhar somos todos porque nenhum de nós sabe tudo sobre a resistência à ditadura e há sempre possibilidade de acrescentar, de partilhar e de construir memória democrática”, salienta a responsável, licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa e que dirige um museu pela primeira vez.
Sobre as primeiras memórias da repressão, recorda as que, em criança, no Alentejo, os mais velhos lhe transmitiram, sobre a fome, a miséria, e o trabalho infantil, condições que “retratam a dimensão económica e social do fascismo”, traduzida, por exemplo, em falta de acesso a água potável e de assistência médica, elevado analfabetismo e abandono escolar.
“Isso não quero ver ressurgir nunca mais, para ninguém”, disse à Lusa.
O Aljube funcionou como prisão durante 37 anos – entre 1928 e 1965 – com celas coletivas e de isolamento, que ainda hoje se podem ver, no interior, como vestígio dessa memória.
Passado um ano de nomeação, a ex-deputada do PCP ainda hoje se admira ter sido escolhida para diretora do museu, mas as muitas reações críticas da altura continuam a não causar surpresa.
“A polémica diz mais sobre quem [a] alimentou do que sobre mim. Eu fiquei mais surpreendida com a minha nomeação do que com a reação à minha nomeação. Entendo isso com esta tranquilidade”, fez questão de repetir.
“Dediquei-me ao projeto que apresentei, numa perspetiva do que este museu pode projetar ao nível da educação para os direitos humanos, da memória histórica, da formação de novos públicos. Foi sobretudo nessa perspetiva, mas não tinha expectativa [de ser a escolhida]. Mas ainda bem que o fiz”, realça, passado um ano de trabalho no Aljube, onde estiveram cativos, entre milhares de resistentes ao regime, Álvaro Cunhal, Jaime Serra, Domingos Abrantes, Miguel Torga, Fernando Lopes Graça, Manoel de Oliveira, Agostinho Neto, Alberto Costa, Joaquim Pinto de Andrade, Palma Inácio ou Emídio Guerreiro.
Com um mandato para dois anos, até agosto de 2022, que pode ser renovado pelo conselho de administração da EGEAC, Rita Rato considera que “é sempre possível fazer mais e melhor”: “Estou muito contente com o resultado [de um ano de trabalho], mas isso não me descansa, dá-me mais energia para continuar”.
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