Ensemble Al’Fado explora as ligações entre o cantar sefardita e o fado

Em declarações à agência Lusa, o percussionista afirmou que o álbum reflete a recolha feita a partir do cancioneiro sefardita e a sua personalidade como músicos contemporâneos, introduzindo “o jazz, os sons de músicas do mundo”.

“Vimos que, entre a música do cancioneiro sefardita e a música por excelência de Portugal, onde vivemos, o fado, existiam muitas pontes, muitas ligações, e é esse despertar musical que nos fez criar esta ‘mistura’, podendo imprimir a nossa visão musical, através dos arranjos [musicais], a nossa marca, nós trazemos o jazz, as músicas do mundo, de qualquer parte”, disse o músico, referindo que introduziu, por exemplo, percussões indianas e egípcias.

A expulsão dos judeus da Península Ibérica, nos finais do século XV, levou à sua dispersão pela Europa, sendo conhecidos como sefarditas, termo proveniente do hebraico “sefarad”, que designa a península. Estas comunidades desenvolveram um idioma próprio, o ladino, um dos três cantados neste disco, ao lado do português e do hebraico.

“Algumas destas canções eram cantadas em ladino pelos judeus ibéricos, que são os da segunda diáspora e que as continuavam a cantar também em hebraico”, argumentou.

Segundo o músico, a cultura sefardita “vem da Península Ibérica e tem influências africanas”, mas “tentou-se inovar”. “Nós, enquanto músicos e pessoas, somos do séculos XX e XXI”, sublinhou, na vontade de trazer à contemporaneidade esse repertório centenário.

“Cada canção é uma história, da mãe a contar à filha, do rabino ou do ancião a contar aos seus conterrâneos”, acrescentou.

“É na história das canções que encontramos mais semelhanças entre o repertório sefardita e o fado; os temas são a saudade, a despedida, a partida e ligados com a viagem, o mar, a estrada, a estadia, o desconhecido”, disse o músico.

Os músicos realizaram uma vasta pesquisa, desde gravações “do povo a cantar a gravações mais recentes”.

“Estamos a falar de canções que foram cantadas de boca em boca, em diferentes lugares, durante centenas de anos”, realçou, defendendo que “há uma ligação emocional” entre as escolhidas para o alinhamento.

O disco abre com “La Rosa Enflorece” e do fado inclui “Lisboa Menina e Moça” (Ary dos Santos/Paulo de Carvalho), do repertório de Carlos do Carmo, e três relacionados com Amália, que Diogo Carvalho Melo aponta como “tudo no fado, a rainha, a princesa, a mãe”.

De Amália Rodrigues, os Al’Fado gravaram o “poema fortíssimo”, “Ó gente da minha terra”, e as criações da diva “Barco Negro” (David Mourão-Ferreira/Caco Velho e Piratini) e “Alfama” (Ary dos Santos/Alain Oulman), que foi o primeiro fado que Gal Tamir cantou.

O projeto começou em Lisboa, com o músico israelita Avishay Back (baixo) que residia próximo de outro músico israelita Gal Tamir (voz e flautas).

Diogo Melo Carvalho foi convidado por Avishay Back e convidou João Roque (viola), e o quarteto ficou fechado.

“O Avishay Back é um músico que gira mais em torno da cena do soul, hip-hop e R&B, o João Roque estudou guitarra clássica, mas especializou-se em jazz, o Gal Tamir estudou a música tradicional israelita e, eu obriguei-me a conhecer um bocadinho de todas as culturas, na área da percussão”, explicou Diogo Melo Carvalho.

A escolha do título do álbum, “Nasimiento”, um vocábulo ladino que significa “nascimento” e fazia sentido pois “é o nascimento do grupo”, justificou o músico, lembrando que “há ainda muitas pontes a fazer” entre as duas culturas.

Do alinhamento do CD fazem ainda parte, entre outras, as canções “Rikordus Di Mi Nona”, “Avre Tu Puerta Cerrada”, “La Serena” e “Durme Durme Mi Angelico”.

O álbum conta com dois convidados especiais: a flautista israelita Hadar Noiberg num fado e o pianista português João Paulo Esteves da Silva num tema ladino.

O ensemble Al’Fado começou em 2016, tendo-se apresentado pela primeira vez, em 2017, na Sinagoga de Lisboa. Seguiu-se uma atuação na Sinagoga de Basileia, na Suíça, no Festival de Gooik, na Bélgica, no Festival Internacional de Música Sefardita, em Córdova, no sul de Espanha, e realizaram uma digressão por Israel que incluiu a participação no Festival Internacional de Jazz de Jerusalém.

Os Al Fado apresentam o disco no Festival de Cultura Judaica, no próximo dia 23 de junho, no mercado de Cascais, no distrito de Lisboa.

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