Papillon: "Cresci no meio do caos e tento encontrar alguma ordem"

Na rua, nos concertos e nos estúdios é ‘Papillon’, mas em casa, no íntimo, é Rui Pereira, de 32 anos, natural de Lisboa, residente e amante de Mem Martins. A sua vida foi “instável” em vários momentos e a música transformou-se na “ferramenta” para “encontrar ordem no caos”. Em novembro deste ano, lançou ‘Jony Driver’, o seu segundo álbum de estúdio, dedicado, principalmente, ao seu pai, referência máxima da sua vida, pessoal e artística.

O Notícias ao Minuto esteve à conversa com Papillon, tanto sobre o novo disco, que está “francamente melhor do que o primeiro” – palavras do próprio autor – como sobre a “verdade” do hip hop, as dificuldades de uma juventude passada sempre a mudar de casa e os sonhos de ambições do rapper de Mem Martins.

Com ‘Jony Driver’ ao volante e ‘Deepak Looper’, álbum de estreia, no lugar do ‘pendura’, Papillon quer levar ao mundo ‘ferramentas’ para dar a volta pro cima às dificuldades da vida, contando as suas histórias, bem como as de quem o rodeia.

Eu cresci no meio do caos e tento encontrar alguma ordem, mecanismos para estabilizar a minha vida, que não foi toda, mas parte dela, especialmente no meu crescimento, instável

Andaste por vários sítios na tua juventude, como é que isso afetou a tua vida e a tua música?

Eu estive em imensos sítios antes de chegar a Algueirão. A minha família não era muito estável em termos económicos, então isso força-te a ter de encontrar sítios onde viver e passei por muitos. Fui despejado várias vezes, então pronto, sais daqui, vais para ali, tens de encontrar um sítio, ficas em casa de amigos… já andei por muitos sítios. Eu cresci no meio do caos e tento encontrar alguma ordem, mecanismos para estabilizar a minha vida, que não foi toda, mas parte dela, especialmente no meu crescimento, instável. Hoje em dia, tento encontrar essa estabilidade e a música é uma das maneiras que tenho para isso. Então, claro que influenciou a minha identidade artística, porque o meu intuito é constantemente encontrar estabilidade e sair do caos, encontrar maneiras de resolver os problemas, de me automotivar para sair em frente e sair deste lado mais instável da minha vida.

É muito fácil quando as coisas não correm bem termos a tendência de destruir, em vez de construir. Esta música transforma-se em ferramentas para as pessoas poderem construir.Isso de estar sempre a mudar de lugar… as pessoas à tua volta também iam mudando. Isso ajudou à tua face mais de introspetiva, mais solitária?

A influência foi que eu mudei tantas vezes de sítio e para uma criança é um processo de morte por mil cortes, estar sempre a tentar fazer amigos cada vez que se muda de sítio. Então, isso fez-me valorizar as raízes e quando me consegui enraizar. É por isso que eu dou tanto valor a Mem Martins, o sítio de onde eu venho, porque foi o sítio onde eu consegui, realmente, enraizar as minhas coisas, a minha vida. É o sítio onde tenho os meus amigos de infância, desde o momento em que fui para lá viver que nunca mais saí. Aliás, agora até tenho esta coisa em que tenho dificuldades em sair de Mem Martins, se tiver de arranjar casa fora já é problemático, porque é o sítio que me deu oportunidade para ser feliz. Tanto mudas que, quando encontras o sítio certo para ti, não queres sair mais.

É muito fácil quando as coisas não correm bem termos a tendência de destruir, em vez de construir

E, de Mem Martins para o mundo, que mensagem queres levar contigo com este novo disco em mãos?

Tens duas perspetivas: uma de quem já me acompanha desde o início e outra de quem pode cair de paraquedas aqui no meu universo. Para quem ‘cai de paraquedas’, basicamente, sou o Papillon, faço música, rap, e o que elas vão encontrar é uma mensagem de superação, de alguém que passa por dificuldades e encontra na música ferramentas para sobreviver, em primeiro lugar, e para encontrar uma maneira de seguir em frente, motivar-se e continuar a construir.

É muito fácil quando as coisas não correm bem termos a tendência de destruir, em vez de construir. Esta música transforma-se em ferramentas para as pessoas poderem construir. Alguém que sente que a vida não lhe corre tão bem, ou que está numa fase menos boa, tem aqui algum ‘background’ para poder dar a volta por cima. Isso é para quem não conhece e vai começar a conhecer a partir de agora, que, espero eu, gostem muito da música que vão encontrar e que, depois, possam ficar com a mensagem ligada.

[Jony Driver] é a continuação da minha história, mas também é perceber como estão as pessoas que ouviram o primeiro disco. Como estamos todos a crescer e a história continua, estou também a perceber quantas pessoas ainda estão a crescer comigo e o que vamos fazer daqui para a frente

E quem já te acompanhava de antes?

Para essas pessoas, a mensagem principal é de crescimento. Tiveram a oportunidade de crescer comigo desde o primeiro disco que foi lançado há quatro anos. Entretanto, fui fazendo concertos, participações, a colaborar com grandes artistas que eu admiro e essas pessoas têm aqui a oportunidade de ver um ‘subir de degrau’ e poder ver aquele miúdo que viram crescer e continuar a ver a história e a evolução do artista que acompanham desde o início.

O que é que há em ‘Jony Driver’ de ‘Deepak Looper’? O que é que passa de um para o outro?

É, essencialmente, a continuação duma história, da minha história, tanto a nível artístico como a nível pessoal. Sinto que é, em simultâneo, uma retrospetiva e o continuar da história, ou seja, o que é que acontece depois de eu ter conseguido realizar o meu sonho de lançar um disco, ter crítica positiva de pessoas que gostaram, que se conectaram. Recebi montes de mensagens de pessoas que se identificaram não só com o disco, mas com a minha pessoa. De repente já não éramos pessoas sozinhas, já tínhamos um disco que conecta estas pessoas todas e esta maneira de ver a vida. Eu sinto que transportamos muito disso para o ‘Jony Driver’. É a continuação da minha história, mas também é perceber como estão as pessoas que ouviram o primeiro disco, como é que uma coisa reflete na outra. Como estamos todos a crescer e a história continua, estou também a perceber quantas pessoas ainda estão a crescer comigo e o que vamos fazer daqui para a frente.

Tens algum testemunho dessas pessoas que te tenha ficado gravado?

Ui, estou sempre a receber esse tipo de mensagens. Essa é a parte mais honesta no meio disto tudo. Ninguém é obrigado a mandar uma mensagem… Há muitos artistas de que eu gosto e não me sinto compelido a mandar mensagem. Então quando tens muita gente, recorrentemente, há quatro anos, a dizer-me esta coisa de ‘A tua música ajuda-me a superar certos e determinados traumas’ ou dores, ou ‘Identifico-me bastante com esta questão menos positiva por que tu passaste e sinto que agora somos duas pessoas nisso e é bom saber que não estou sozinho’… é algo de que eu me orgulho bastante, como é tão recorrente.

Até porque faz parte, também, daquilo que eu me propus a fazer, porque a música também me serviu dessa maneira. Eu cresci a ouvir bastante música e, do que eu ouvi, teve muito esse efeito em mim, de sentir que não estou sozinho e que até estava motivado. Especialmente, quando ouvia assim aquele rap que tem uma energia contagiante e agressiva, mas é aquela agressividade que às vezes precisas para agarrar a vida pelos… [risos] pelo sítio certo, vá. Então, sinto que estou só a continuar esta escola, chamemos-lhe assim. Recebi esta informação, consegui dar a volta por cima através da música e agora estou a tentar criar a mesma plataforma para outras pessoas fazerem o mesmo.

A imagem do rapper, no geral, é glamorosa, é de um artista com grande carro, com ‘trophy wives’ e vive numa grande mansão, mas não sabemos qual foi o processo dele até chegar aí

Quem foi a tua plataforma? As tuas ferramentas?

São tantos, mas foco-me sempre nestes, que foram os mais importantes para mim: Valete, Boss AC, Sam The Kid, e depois lá fora tens artistas como o Kendrick Lamar, o J.Cole, Joey Badass, Drake, Jay Z, Eminem… toda essa escola. Para mim o Hip Hop tem este significado verdadeiramente espiritual. Quem realmente aprecia, percebe que há muitas joias no meio das letras dos artistas. É óbvio que também é muito expressar sentimentos de raiva, de revolta, mas quando os artistas se permitem falar um bocado das suas vidas e contar um bocado da sua história, é aí que tu sentes que consegues aprender com aquele artista, e que a vida dele não foi também só rosas.

A imagem do rapper, no geral, é glamorosa, é de um artista com grande carro, com ‘trophy wives’ e vive numa grande mansão, mas não sabemos qual foi o processo dele até chegar aí. E é esse processo que, sinto, é a coisa mais valiosa do Hip Hop, que é como é que se passa de estar a passar mal na tua vida até chegares à mansão, ao carro e à família. O Hip Hop tem isso e todos aqueles que o representam na sua máxima força acabam por me inspirar. Eu só estou a dizer aquilo que me impactaram mais na minha vida, até porque sou bebé de 1990 e esses são os artistas do meu tempo, por isso também acabam por ser os que mais me influenciam.

Não sei se é inconsciente ou não, mas o tema da condução está muito presente na tua música. Seja relatando festas em carros ou até, literalmente, no título do novo álbum… A que se deve esta constante ligação aos carros, às viagens?

É uma constante. É pegar nesta metáfora da viagem da vida, dos altos e baixos, tenho um bocado disso. Talvez seja mesmo inconsciente, porque parte do processo de fazer este álbum coincidiu com o tempo em que eu tirei a carta. Foi algo que eu quis fazer como se fosse uma formação que eu tinha de passar, tinha de conseguir tirar a carta para, de alguma forma me sentir competente e, de certa forma, subir de nível. Não quis só que isso fosse algo retratado no disco, quis mesmo sentir isso na minha vida, de forma material. Se calhar por ter evitado tirar a carta durante tantos anos, isso esteve sempre no meu subconsciente e, de alguma maneira, levou-me a isso. No segundo disco, claramente foi tudo intencional. No primeiro, se calhar ainda estava a experimentar essas ideias.

Eu acho que quem gosta de hip hop gosta desta vertente do storytelling e, se conseguires executar bem a ideia, estás a contar uma história e estás a criar as imagens com palavras. É como ler um livroEntão a gravação do segundo disco e tirares a carta, de alguma forma, complementaram-se?

Eu tirei a carta entre o primeiro e o segundo disco. O processo de fazer o disco foi enquanto tirava a carta e muitas das metáforas que fui buscar, de ‘struggle’ [esforço], estão ligadas a isto de tirar a carta, de aprender o código, os sinais. Isso também me fez refletir sobre estas lições que estão no disco.

Para além da condução, há uma outra constante, parece-me, na tua música: o cinema. Há muito cinema na tua música, tanto na forma de ‘samples’ de filmes como na própria sonoridade. Porquê?

Tenho de, acima de tudo, dar ‘props’ às minhas principais referências. O storytelling do Boss AC, do Sam The Kid, do Valete. O Valete tem um álbum que se chama Educação Visual em que consegue através das palavras pintar quadros. O Kendrick Lamar tem um dos álbuns mais clássicos do hip hop, que é o ‘good kid, m.A.A.d city’, que tem esta componente cinematográfica. Mesmo os antigos, como o Biggie Smalls, ou o Eminem, têm esta componente.

Eu acho que quem gosta de hip hop gosta desta vertente do storytelling e, se conseguires executar bem a ideia, estás a contar uma história e estás a criar as imagens com palavras. É como ler um livro, e essa é a escola de onde eu venho. Sou o reflexo dessa escola, tenho grandes referências de que, felizmente, consigo beber. Só estou a tentar honrar, da melhor maneira possível, tudo aquilo que eu aprendi, e fazer, como todo bom filho, melhor que o pai. Ou seja, já que tive a oportunidade de aprender, deixa-me tentar fazer um bocadinho melhor e, se Deus quiser, alguém depois de mim ainda há de fazer melhor que eu.

Nunca pensaste em realizar um filme?

Eu gostava! É um processo, vamos ver… começamos pelos videoclips e depois já vemos.

Bom, este álbum já vem acompanhado de uma curta-metragem… deste-lhe algum tempero?

Sim, foi colaborativo. A realização esteve a cargo do Igor Regalla, mas é um trabalho de juntar ideias. Eu confiei na confiança que o Igor tem com câmaras e com malta que trabalha com câmaras e produção visual, mas sim, já tive um bocado a meter-me no ambiente.

E foi divertido?

Dos mais divertidos que alguma vez fiz [risos].

Com o disco em mãos vem a subida aos palcos para o partilhar. Tens medo que se perca alguma coisa ao transpor este trabalho de estúdio, muito marcado pelos samples pré-gravados, para o ambiente ao vivo?

Ainda estou a testar, portanto não consigo dar uma resposta concreta. As pessoas vão mesmo ter que ir aos concertos para descobrir. Mas eu gosto sempre de pensar nos concertos como uma consagração daquilo que temos em comum. Estes dois discos – ainda que espero poder fazer diferente no futuro – não são propriamente discos de festa. São discos que fiz à imagem da maneira como eu sempre consumi música, que é muito íntima, muito eu comigo próprio, de fones, a ouvir música e a andar por aí, sozinho.

O que tento fazer é traduzir essa experiência dos fones para o palco, e lá é um bocado a consagração, é a junção destes miúdos todos que ouvem música sozinhos em casa, de fones, e que depois estão ali todos juntos. Então tento ter uma abordagem ligeiramente diferente e muito mais festiva nos concertos, comparativamente com aquilo que é a experiência do estúdio… é um bocado este ‘ying yang’. Em casa ouves sozinho, na tua introspeção, mas no concerto é para desbravar e ‘soltar a franga’ numa grande festa, como se costuma dizer.

Eu olho para os concertos como uma festa e penso que quero dar uma grande festa a estas pessoas, que entrem neste concerto e se, por alguma razão, não se estiverem a sentir na melhor capacidade, saiam a sentir com aquela sensação que uma boa festa dá. Que foi divertido, bonito, e que querem voltarTens algum ritual estranho antes de subir ao palco?

Tenho rituais, mas acho que não são estranhos. Passa só por ‘ativar’… ou seja, eu gosto de entrar com energia alta, não gosto de entrar murcho, então é só ‘ativar’, ou seja, fazer uns saltinhos, exercícios de voz e entrar sempre com energias em alta.

[O meu pai] era uma pessoa extremamente empática e que, às vezes, por causa de ser tão empática, conseguiam facilmente dar-lhe a volta… então muitas dessas coisas eu naturalmente sou como ele foi, ou é, através de mimE o que é que te passa pela cabeça naquele momento mesmo antes de subir ao palco?

Eu olho para os concertos como uma festa e penso que quero dar uma grande festa a estas pessoas, que entrem neste concerto e se, por alguma razão, não se estiverem a sentir na melhor capacidade, saiam a sentir com aquela sensação que uma boa festa dá. Que foi divertido, bonito, e que querem voltar. E eu quero fazer essa festa, quero ser o anfitrião e permitir às pessoas divertir-se e que seja uma catarse para tudo aquilo que sentimos e que a música transmite. Naquele momento, estamos ali a manifestar tudo aquilo que estivemos a consumir nos dias anteriores.

Isto é um álbum em que falas muito de várias pessoas, amigos, família, mas especialmente sobre o teu pai. Como é que as vivências com o teu pai influenciaram a tua vida, pessoal e artística?

Influenciou tudo, ou quase tudo. As minhas melhores qualidades vêm todas dele, ou da educação que ele me passou. Então quando as pessoas me elogiam de alguma maneira, devo muito disso ao meu pai. Por isso é que quis fazer esta homenagem, para que nunca se esqueçam de quem é que eu sou filho e que, se estou a fazer isto desta maneira, é porque tive um bom guia. Então influenciou-me dessa maneira, desde as coisas pequenas, como ser uma pessoas bem disposta e otimista, para ser também trabalhador. Se há adjetivo que eu me lembro de o meu pai ser é ‘trabalhador’, uma pessoa que trabalha muito. Às vezes, mesmo contra aquilo que, eu acho, seria o melhor para ele…

Fiquei muito com aquela coisa de o trabalho ser a ferramenta de escape para algo melhor, ou aquilo que te vai ajudar a subir na vida e não ter medo do trabalho e fazer o que tem de ser feito para atingirmos os nossos objetivos. Todas essas questões, fui buscar ao meu pai, bem como a parte humana. O meu pai é das pessoas mais humanas… é assim, eu posso estar a ser tendencioso, por seu meu pai, mas não conheço ninguém mais humano que o meu pai. Era uma pessoa extremamente empática e que, às vezes, por causa de ser tão empática, conseguiam facilmente dar-lhe a volta… então muitas dessas coisas eu naturalmente sou como ele foi, ou é, através de mim.

Disseste que os filhos procuram sempre fazer melhor que os pais. Aqui, aplica-se isso?

Sim, muito. Até porque o meu pai tinha estas coisas todas que te disse, mas foi uma pessoa que ficou com muitos sonhos por realizar. Fiquei com essa sensação, enquanto filho, de viver com ele… há muita coisa que ele ainda queria ter feito, que não conseguiu fazer ainda em vida, e que eu tento fazer por ele, de alguma maneira. É uma forma bonita de estar em paz com o que se passou comigo, na minha vida, é sentir que todos os sonhos do meu pai, por que ele lutou tanto na sua vida para alcançar, de alguma maneira, eu estou a ter. Sinto que, pelo menos, temos isso.

Só conseguimos crescer com verdade. Se estiver a mentir, eventualmente a verdade vem ao de cima e temos de começar tudo de novo. Então mais vale dizer a verdade logo de início.

Neste disco, e também o ‘Deepak Looper’, contas muitas histórias… tuas e não só. As pessoas visadas, como se sentem em relação a isso?

[Risos] Eu tento fazer um exercício de tentar proteger ao máximo o que é importante ser protegido. Há coisas que não consigo proteger tanto como queria porque, para ser honesto, tenho que ser o mais transparente possível. Mas tento fazer um jogo de não tentar ofender… e acabo por ter reações mistas. A maioria são positivas, mas nem todas as pessoas reagem bem a tudo o que eu digo.

O que tento fazer é lidar da melhor maneira possível e ter consciência de que a minha intenção não é magoar ninguém, não é para destruir ninguém. Muitas das vezes são desabafos e, se acontecem, por alguma razão é, se não eu não teria motivos para o fazer. As pessoas, às vezes, não percebem tão bem, e eu tento dizer-lhes que não foi com má intenção, mas sim mais numa ótica de aprendizagem minha e, possivelmente, de uma aprendizagem que as pessoas podem vir a usar e usufruir da mensagem que tenho para passar.

As pessoas que reagem bem, é uma festa… até porque algumas delas nem têm consciência que vieram parar ao disco então quando percebem vêm falar comigo. Mesmo agora, com este novo disco, tive uma pessoa que veio falar comigo e que disse ‘Mano, aquilo que aconteceu foi parar ao disco?’ [risos]. Então é engraçado revisitar isso e as próprias pessoas lembrarem-se desses acontecimentos e verem com uma perspetiva diferente, ou através daquilo que foi a minha perspetiva. Tem sido engraçado.

Mas, então, nada assim de grave em termos de reações?

Só houve uma pessoa que reagiu mesmo muito mal, mas que, passado pouco tempo, acabou por entender. Faz parte do crescimento e quando falamos da dor e da dor de crescimento, nem todas as coisas vão ser agradáveis de se ouvir. O que interessa é que consigamos todos crescer com isso, e só conseguimos crescer com verdade. Se estiver a mentir, eventualmente a verdade vem ao de cima e temos de começar tudo de novo [risos]. Então mais vale dizer a verdade logo de início.

O disco expressa as tuas vivências, mas acabam por ser as dos outros também, através da tua perspetiva…

Claro, claro. O único que posso dizer é que não faço nada com má intenção, nem nada para magoar ninguém. De resto, estamos todos aqui a aprender uns com os outros, e acredito que há de haver pessoas que têm histórias comigo, na sua perspetiva e que se fizessem o exercício de desabafar com alguém, seja na música, com amigos, ou um terapeuta, eu não posso ficar chateado com isso, porque eu faço parte da vida da pessoa como ela faz parte da minha.

A minha expectativa é que, tudo aquilo que consegui fazer com o primeiro, consiga agora fazer com o segundo também, ou seja, continuar a viagem, a história e alargar a família das pessoas que acompanham o que eu faço

Consegues marcar algum momento no tempo em que tenhas sentido que isto da música era para a vida?

Tenho dois, até. O primeiro foi quando fui ao [festival] Sudoeste, em 2011. Foi a minha primeira experiência de festival e foi a primeira vez que decidi fazer algo sozinho, sem o meu grupo de amigos mais próximo, porque não estávamos todos na mesma página e eu queria muito ir ao festival. Então foi um bocado um salto de fé numa coisa que não sabia se ia dar certo. Nunca tinha tido a experiência, acabei por descobrir o que era um festival estando lá e vi artistas fabulosos, novos, e isso mudou completamente a minha maneira de ver a música. Fez-me ter o atrevimento de acreditar, de pensar ‘Ok, eu gostava de fazer isto’.

O segundo momento foi, curiosamente, no seguimento de ter ido ao Sudoeste, a minha primeira atuação ao vivo, numa lista duma escola em Mem Martins. Aquela experiência foi a primeira vez que disse ‘Ok, eu vou mesmo fazer isto’, porque houve coisas que me saíram duma maneira tão natural… tanto a nível de animar o pessoal, como de estar ali a servir a festa. Todo esse processo fez-me pensar ‘É isto que vou fazer, não me vejo a fazer outra coisa de uma maneira tão alegre e construtiva, então mais vale tentar fazer isto’.

Depois tudo o resto que veio a seguir foram confirmações disso. Fui fazendo coisas maiores e melhores ao longo do tempo e vão sendo sempre as confirmações de que precisas para continuar a fazer.

Nessas ‘confirmações’, especialmente depois do ‘Deepak Looper’, em que momento percebes que consegues fazer a tua vida com isso?

Eu já vinha de trás com a escola de um grupo, dos GROGnation, que foi toda uma escola de dificuldade, de ‘grind’ [labuta], de ter mesmo de lutar por alcançar todas as pequenas conquistas que tive.

Estava preparado, na altura do primeiro disco, para conquistar e ter de trabalhar, fazer, ter paciência… não estava necessariamente à espera de tanta aclamação em tão pouco espaço de tempo. Isso foi uma surpresa agradável e, lá está, mais uma das confirmações.

O ‘Deepak Looper’ foi, sim, essa confirmação de que é possível viver só, única e exclusivamente da música, fazendo as coisas bem feitas. Não somos milionários mas é o suficiente para viver com dignidade.

E a questão da praxe: que expectativas tens agora que tens o disco em mãos e vais partilhá-lo com o mundo?

Espero que o público o receba bem. Vou ser tendencioso, mas acho que este disco está melhor que o primeiro. Se as pessoas gostaram do primeiro, penso que vão gostar do segundo.

As pessoas que entraram agora, têm também uma oportunidade de ir ouvir o primeiro, até porque as coisas estão, de alguma maneira, ligadas. A minha expectativa é que, tudo aquilo que consegui fazer com o primeiro, consiga agora fazer com o segundo também, ou seja, continuar a viagem, a história e alargar a família das pessoas que acompanham o que eu faço. Essencialmente, a minha expectativa é fazer a história continuar e expandir isto ao máximo.

Leia Também: Emicida recebe Capicua e Papillon nos concertos em Lisboa

Deixe um comentário